Quando Eurides Nascimento começou a empreender com Libras, o foco do trabalho era oferecer cursos de imersão na língua de sinais, mas logo o propósito se expandiu. A demanda crescente na área da interpretação e a falta de empresas para dar conta da procura atraíram a afroempreendedora para o setor.
Atualmente, a startup criada e administrada pela baiana, a Libra +, é referência pela afrodiversidade, e atua ainda com a consultoria em acessibilidade. Entre os trabalhos no currículo do empreendimento, estão as duas edições do AFROPUNK Bahia, que é considerado um dos maiores festivais de cultura negra do mundo, e a Feira Preta, que é referência na América Latina.
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"A startup nasce com uma necessidade mercadológica de verdade. Não existiam cursos no mercado e nem tantas consultorias para dar conta dessa demanda, que é a questão da inserção. A gente nasce pensando que tem tudo, mas cadê essas pessoas? Onde elas estão? Cadê os profissionais para atender essa demanda? E aí a gente foi se desenvolvendo. E isso é mais de uma pessoa só. Então, eu fui me desenvolvendo. E o empreendimento vai crescendo a partir do momento em que seus criadores vão se desenvolvendo junto com ele".
A imersão na área e o modo de atuação com que trabalha, Eurides construiu ao longo da criação e da formação acadêmica, como contou em entrevista ao Preta Bahia desta semana. Nascida na cidade de Cachoeira, no recôncavo da Bahia, a baiana se mudou para Salvador aos 7 anos, depois que a avó morreu e a mãe acabou indo para a capital para estudar.
Na época, ela já era a mais velha de cinco irmãos. A família morava no bairro de Bom Juá e chegou a enfrentar dificuldades enquanto se estabelecia na cidade. Uma realidade diferente da que viviam no interior, onde a avó da afroempreendedora liderava um terreiro de Candomblé.
"Minha mãe deixou o Axé todo lá e veio cuidar da vida e aí ela experimentou junto com a gente a escassez. Com muita alegria também, mas eram ovos fritos na farinha para a gente comer. Era o que era possível".
Conhecida como Iyá Perina, a yalorixá é considerada uma das maiores lideranças religiosas da região. Ela tinha o mesmo nome da neta e também inspirou princípios, personalidade e religião, em uma expressão de pura ancestralidade, como relatou Eurides.
Uma série de conhecimentos que a baiana também absorveu da mãe, que é professora há décadas. E foi por isso que Eurides resolveu cursar licenciatura em Letras e acabou conhecendo o mundo de Libras. O contato inicial aconteceu com um curso de extensão, se repetiu no curso que já fazia e dele partiu para especializações.
"Eu me sinto muito honrada, agraciada e agradecida, principalmente a minha avó, porque muita coisa que eu faço hoje a gente tem que entender que a primeira infância, o caráter, a personalidade, são forjadas no primeiros anos da infância e é por isso que eu honro muito minha avó quando eu falo, honro também minha mãe, honro essa família que me acolheu. E eu sou grata também às pessoas que acreditaram em mim".
Mas foi ainda durante o aprendizado que o dom de ensinar e interpretar a língua de sinais já se manifestava. Quando estava na extensão, a matéria ainda não havia sido dada na licenciatura. Então, ela passava o conhecimento para alguns colegas de turma, para eles absorverem o assunto que iria ser ensinado depois.
Somente em 2013 que a baiana começou a empreender de fato na área. Ao longo dos anos, ela acompanhou as mudanças e adequações, como a tradução de músicas em Libras e a inserção de movimentos dançantes durante as interpretações.
"Quando a gente falava de tradução de música para surdos lá atrás, muitas pessoas eram contra, porque diziam que música não é para surdo. Então, enquanto eu fazia esse movimento com outros amigos, que a gente dizia que era possível, a gente recebia retaliação. Hoje, as pessoas perguntam porque eu me movimento tanto e eu respondo que enquanto eu estiver me movimentando eu estou como um ato político".
São quase 20 anos de atuação em uma área que, para Eurides, deveria ser introduzida ainda no Ensino Médio, durante a formação inicial. "Eu vejo que a gente precisa fomentar a formação, principalmente para meninos que estão aí no ensino médio, para ele entender que ter a libras como segunda língua não é só sobre tradução e interpretação. A gente precisa que todos os profissionais tenham a libras como língua, para atender as pessoas surdas", disse a afroempreendedora.
"O mercado precisa entender que a pessoa com deficiência é um consumidor. Eu acredito que as grandes marcas estão perdendo mercado, estão perdendo essa fatia", completou.
A baiana ressalta ainda que falta inclusão e que as pessoas ignoram Libras como uma língua, priorizando outras. "Para além de uma questão financeira, era uma questão de crença. Compreender que a libras é uma língua. E a gente percebe que algumas pessoas ainda têm um preconceito com relação às línguas. Muita gente quer aprender uma língua de prestígio maior. Um inglês, um espanhol, mas não a libras"
Para o futuro, a afroempreendedora espera mudanças positivas e também sonha em ser conhecida como referência nessa atuação. "Quero ter um portal de acessibilidade. Um lugar onde as pessoas cheguem e digam: 'Eurides entrega acessibilidade'".
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Alan Oliveira
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