Nem sempre o caminho profissional a seguir é claro e, para muitas pessoas negras, o sonho pode ser atravessado por diversas questões sociais. A sensação de que talvez "aquele não seja seu lugar" ou que algo é "impossível para você", infelizmente, tende a ser comum na vida das pessoas negras devido ao racismo. O repórter da TV Bahia, Müller Nunes, relata, em entrevista ao iBahia, que muitas vezes esse sentimento o acompanhou.
Hoje uma das referências do jornalismo baiano, Müller não se imaginava na televisão e foi descobrindo a paixão pelo jornalismo ao longo da trajetória profissional. "Isso é uma coisa que o racismo faz, que é muito cruel com a gente, principalmente quando somos crianças. A gente não se vê em espaços de vitrine como a televisão, então eu nunca me imaginei", conta ele.
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Natural da cidade de Eunápolis, no extremo sul da Bahia, foi através da escola que ele percebeu que tinha inclinação para a comunicação. Egresso da escola pública, Müller escrevia crônicas sobre os colegas atletas e, durante a graduação, teve a oportunidade de fazer uma matéria audiovisual.
"Um dia faltou um repórter. Eu estava estagiando em uma emissora universitária, na TV UESB, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, e peguei o microfone para fazer uma matéria. Narrei ao bem poético [...] sobre um projeto social de futebol e as pessoas gostaram e começaram a elogiar", relata.
A partir desse momento, entre uma folga e outra do repórter, Müller foi se encontrando na profissão. "Eu comecei a me encantar por aquele espaço porque, de alguma forma, o que eu fazia e narrava ajudava a transformar a realidade das pessoas", afirma. Com uma carreira cheia de experiências, o eunapolitano passou pela TV Oeste, filiada da TV Bahia em Luís Eduardo Magalhães, foi para a TV Subaé, em Feira de Santana, e, agora, atua como repórter, e, às vezes, apresentador na TV Bahia, em Salvador.
A estreia na televisão foi impactante para muitas pessoas que, assim como ele, não se enxergavam na televisão. Deste dia em diante, Müller passou a receber ligações e mensagens de outras pessoas negras o encorajando e enfatizando a força de sua presença neste espaço.
"Eu recebi um acolhimento que, até quando eu errava, as pessoas me mandavam mensagem. Era algo de torcida e não de fã. Era algo das pessoas se verem em você pensando 'você parece meu filho, parece meu neto' na torcida por você. Isso me fez entender a responsabilidade que eu tinha e procurar entender mais sobre as questões raciais [...] para poder influenciar para o bem".
Müller Nunes fala dos desafios da cobertura
Os desafios do trabalho jornalístico são diversos. Para Müller, entender a importância do papel do jornalista é essencial para exercer corretamente a profissão. Inicialmente, o impacto da cobertura foi um desafio e Müller precisou refletir mais sobre como se colocar nas situações.
"Eu pensava em voltar para o interior, pois pensava: 'parece que só tem isso'. Era muito difícil lidar com as dores dos outros e meus problemas pessoais", revela ele, que destacou a importância de um acompanhamento profissional para lidar com a situação. A sensibilidade e a empatia foram as chaves para que ele enfrentasse esse desconforto e, dessa forma, lidasse com as situações diárias.
"Hoje eu tento ter sensibilidade e empatia sempre. Não consigo me distanciar das histórias [...] quando chego na reportagem muitas vezes [apareço] sem equipamento para entender aquela história e contar melhor para o telespectador. Por trás dos números da violência existem famílias e entes queridos", diz Müller .
"Apesar de estarmos em busca da imparcialidade, não tem como você ser indiferente", enfatiza.
Coincidência do destino?
Em meio a tantas coberturas diversas, Müller Nunes acabou conhecendo a atual esposa em uma lotérica. O repórter, que chegou a contar o caso através das redes sociais, falou como o momento foi uma coincidência, mas que achava que o destino conectou os dois.
"Eu entrevistei ela em 2016 e eu estava praticamente casado, ela solteira. Eu só entrevistei como uma pessoa comum, dois anos depois [a encontrei] no Carnaval e [...] ela me disse que não ficava com ninguém em festa. Na quarta-feira de cinzas, o destino reapresentou a gente pela terceira vez", conta ele.
O casal, junto há seis anos, está à espera de Amália e se prepara para começar uma nova fase na vida a dois.
"Amália significa trabalhadora e faz referência à minha avó. Eu tive um sonho com ela antes de saber que [minha esposa] estava grávida. Ela não ligou muito, mas depois fez o teste e descobriu que estava grávida. De certa forma, era Deus avisando que tinha um presente chegando", celebra ele.
Assista à entrevista com Muller Nunes completa abaixo
Iamany Santos
Iamany Santos
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