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'O Bando de Teatro Olodum me deu régua e compasso', diz Leno Sacramento

Ator faz parte da companhia há 26 anos e espera, um dia, não precisar mais falar de problemas sociais em seus espetáculos

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Ícaro Lima

16/07/2022 às 16:06 • Atualizada em 26/08/2022 às 17:41 - há XX semanas
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					'O Bando de Teatro Olodum me deu régua e compasso', diz Leno Sacramento


Leno Sacramento. Ou melhor, Leno Sacramento do Bando de Teatro Olodum, com destaque para mais um “sobrenome” que adquiriu ao longo da carreira. Nascido na Liberdade, bairro periférico de Salvador, Leno é ator, diretor e faz parte de um dos maiores grupos artísticos da Bahia há 26 anos, o que, para ele, é a sua principal credencial. “Quando falam para mandar o currículo, digo: ‘sou do Bando desde 1996’”, explica, aos risos.

Com uma trajetória marcada por sucessos profissionais e episódios negativos que transformou em inspirações artísticas, Leno continua em busca de promover suas ideias em espaços além do ambiente físico do teatro. Muito dessa inspiração vem da própria experiência no grupo, que também revelou diversos outros talentos da intepretação, como Lázaro Ramos, Érico Brás e Edvana Carvalho.

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“O Bando de Teatro Olodum me deu régua e compasso. Costumo dizer que entrei homofóbico, racista, gordofóbico, e o Bando foi me ensinando a ser alguém que ouvisse e respeitasse as pessoas. Foi ele que me lapidou”, conta. Em entrevista ao iBahia, ele detalhou sua carreira e explicou o que ainda almeja alcançar com suas produções.

O começo

Ao entrar na companhia, aos 18 anos, Leno nunca havia visto uma peça de teatro. Ele destaca que isso é fruto das dificuldades que as comunidades têm em relação ao acesso a esse tipo de produção.

Por causa disso, ele reforça a importância de continuar melhorando essa relação, buscando fazer com que esse tipo de arte esteja ainda mais presente nesses lugares. Exemplo disso foi o lançamento de um livro em que ele fez questão que fosse realizado em um bar no bairro de Águas Claras, em Salvador.

“Foi incrível ver aquelas pessoas sabendo que podem escrever, que podem lançar livros e que espetáculos podem ser estreados em comunidades”, comenta.

A paixão pelo teatro começou no ambiente familiar. Leno acredita que a primeira inspiração para a sua profissão veio da mãe. “Ela era muito engraçada, fazia graça de tudo. Ia para a igreja e ‘bulia’ com todas as pessoas. Eu acho que tenho essa veia cômica”, explica.


				
					'O Bando de Teatro Olodum me deu régua e compasso', diz Leno Sacramento

Outro fator importante nesse processo foi a capoeira, já que ele teve que demonstrar o que sabia da luta durante seu processo de entrada no Bando de Teatro Olodum. “A audição envolve muitas coisas, como dança, teatro e música. Tenho certeza que não passei em nenhum desses testes, mas quando fiz capoeira, carimbei meu espaço lá”, relembra.

Primeiros passos

O início da trajetória profissional de Leno foi com um espetáculo chamado “Erê Pra Toda Vida”, o que, para ele, foi um choque, já que tinha crescido na Igreja Batista e iria se apresentar destacando elementos relacionados aos orixás.

Sua entrada no Bando foi marcante também por proporcionar a ele as primeiras viagens para fora da Bahia, tendo Rio de Janeiro, São Paulo e Londres como destinos. “Foi o que me levou a um lugar que nunca imaginei que fosse. Atravessei o oceano, entrei em um avião. Isso, para um menino de 18 anos, na periferia, era surreal”, afirma.

Esse foi um período de descoberta para Leno. “Foi aí que eu comecei a entender o que era teatro, que forma de teatro o Bando de Teatro Olodum faz, a forma de protestar, a forma de estar no palco, o corpo político'', diz.

Ele também salienta como a sua atividade atualmente o traz conforto financeiro, mas que isso não é o padrão. “Vivo de teatro, mas é raro. Entendo quem não consegue. São muitos obstáculos, sabemos o presidente que temos agora, a importância que ele dá para a cultura… é difícil”, diz.


				
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Descobertas na carreira

Quando retornou ao Brasil, Leno atuou em outras peças como “A Ópera dos 3 Vinténs'', escrita por Bertolt Brecht. Depois, veio “Cabaré da Raça”, espetáculo que falava sobre discriminação e que considera um divisor de águas em sua carreira. Posteriormente, foi indicado ao Prêmio Braskem de Teatro por “Sonho de Uma Noite de verão”.

Em seu primeiro monólogo, que contava a história de um humorista que não era engraçado, Leno percebeu outras capacidades. “Descobri que poderia fazer outras coisas, comecei a dirigir espetáculos, como “Eles Não Sabem de nada”, que falava sobre o machismo, e “V de Viado”, que tratava sobre homofobia”, conta.

Leno também dirigiu “Encruzilhada”, espetáculo que fala sobre o genocídio da pele preta e que completa 5 anos em 2022, momento em que será celebrado com uma exposição de fotos. “Acho que não devemos esperar 10, 20 anos para comemorarmos alguma coisa, principalmente quando a gente é preto, porque a cada ano que comemoramos é um ano de vida, é mais um ano de resistência”, defende.

Foi depois dessa produção que ele quis abordar ainda mais os aspectos desse tema. “Minha vontade era voltar a fazer comédia, mas todas as vezes que volto para casa fico tenso, com medo. Minha comunidade está fechada, tem alguém enrolado em um saco preto, a polícia e o tráfico invadem. Então não dá pra não falar das coisas", explica.

Por isso, Leno criou um segundo espetáculo, chamado “Nas Encruza”, que também fala sobre as mortes de pessoas negras, além de temas sobre homossexualidade.

Tiro

Durante a produção desses espetáculos, uma situação marcante aconteceu na vida de Leno. Cerca de um mês antes de “Encruzilhada” completar um ano, ele foi baleado na perna esquerda por um policial civil na Avenida Sete, em Salvador, após ser confundido com um suspeito de crimes na região.

"Eles mandaram eu parar de forma inadequada, que é o nome do livro [que lançou posteriormente]: ‘Para desgraça: uma quarta para esquecer’.As pessoas começaram a falar para eu fazer uma peça sobre esse caso, mas eu não conseguiria, porque ‘Encruzilhada’ já é isso. Costumo dizer que eu não conseguiria fazer esse espetáculo antes disso acontecer comigo se eu não visse isso o tempo todo na minha comunidade”, diz.


				
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Essa situação fez Leno tomar mais uma decisão: criar o espetáculo “Escarro Início”, que estreia no dia 29 de julho. “Vou fazer porque eles não param de matar a gente. Eles não param de estuprar a gente nas mesas de cirurgia, não param de botar a gente dentro de camburão e ligar gás lacrimogêneo, não param de entrar em nosso aniversários e atirar na gente”, explica.

A peça carrega os mesmos traços das produções anteriores, mas de uma forma ainda mais direta. “Não é otimista. Acaba como a gente não queria que acabasse, mas é como acaba sempre. Eu falei para meus amigos que não faria sucesso, que só existiram porque me consideram. É um espetáculo que faz perguntas, mas não vai respondê-las”, comenta.

“Escarro Início” tem como objetivo incentivar os debates entre o público e fazer com que as soluções para os problemas sociais sejam executadas de maneira mais assertiva. “Estou de saco cheio de ver as pessoas achando soluções e elas não sendo afirmadas. Não vemos quem está destruindo o estudo, a cultura. Não estou dizendo que o Brasil não tem jeito, só não sei qual é. Por isso, lanço a proposta para a galera e vamos lá”, diz Leno.

Futuro

Um dos pontos mais importantes desse novo espetáculo é, mais uma vez, a busca por fazer com que ele circule em diversos tipos de espaços. "Estamos indo para escolas. O futuro é levar para as comunidades. Ele é pensado para o teatro e para a praça, para as ruas, para os terreiros. Ele estará sempre vivo enquanto eles continuarem mantendo a gente”, explica

Olhando para frente, Leno mantém a esperança de que os temas que costuma tratar nas suas últimas produções deixem de ser necessário. “Espero que esse espetáculo um dia fique sem graça, que pensem: ‘ah, não é bem assim, eles não matam a gente, isso já foi’". Quero muito parar de fazer isso”, finaliza.

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