Existia um menino em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro, criado em uma casa de mulheres, que tinha medo de carnaval mas criava carros alegóricos de caixas de sapato. Esse menino veio encontrar na Bahia o seu lugar no mundo e, neste sábado (30) o Preta Bahia apresenta Thiago Romero.
O teatro é uma arte que ensina a olhar o mundo com olhar de criança, não de maneira ingênua mas com um olhar sensível, atento aos detalhes que a vida adulta ofusca dos nossos olhos. Do alto dos seus 40 anos, Thiago Romero vive a busca pela criança que foi, por esse olhar com mais atenção para as sutilezas da vida.
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"Hoje eu tenho mais consciência, mas eu fui de uma época de muita liberdade, liberdade para brincadeira. A gente era criança. Eu fui criança por muito tempo. (…) Eu vivo buscando ele, vivo buscando aquele menino, ele tem muito a me ensinar", relembra Thiago Romero ao iBahia.
Desde a infância Thiago, o filho da Dona Arlete nutria uma curiosidade e um interesse pela arte, e ali já se percebia a sua veia artística. A TV, rádios e novelas foram as primeiras inspirações.
"Fazia os desfiles de carros alegóricos feitos de caixas de sapato. E a peça que eu montava, fazia texto, fazia maquiagem de tinta guache. Na escola eu era a pessoa que fazia as atividades da Semana da Arte. (…) Eu já nasci um pouco artista, eu já gostava disto. E o engraçado é que eu não tinha muita referência no campo da arte", contou.
Foi no Rio, na Universidade Federal, que ele ampliou os contatos com o teatro. Mas a principal inspiração para entrar no mundo do teatro veio do recôncavo baiano.
"Acho que eu entrei no teatro por Santo Amaro, por isso eu falo que sou bem baiano. Eu escutava Bethânia e queria ser igual a ela. Eu era bem viado mesmo, não tinha jeito. Minha maior referência na época era Maria Bethania", relembrou.
'Onde o Rio é mais Baiano'
Ana Paula Bouzas, atriz e amiga, profetizou uma vez para Thiago: "Se você for na Bahia, você não volta". Para o ator, quem o trouxe para cá foi a divindade Oxumaré.
"Sempre tive uma sensação da Bahia. Pode ser romântico, mas eu sempre disse isso para minha mãe, quando ela me perguntava se eu moraria longe, eu respondia que moraria em Salvador, mesmo antes de conhecer. Tinha a questão do imaginário, eu gostava muito do Caetano, da Bethânia, do Gil…sempre escutava eles em casa", disse.
"É algo de ancestralidade mesmo. Eu vim sem ter trabalho nem nada. Vim passar um réveillon, e só fui embora depois de dois de fevereiro e voltei deprimida pro Rio. Então algo que é algo ancestral. Acho que foi um chamado mesmo", refletiu Thiago.
Ele tinha planos de se iniciar no candomblé no Rio de Janeiro, mas foi em Alagoinhas que ele foi iniciado, graças a Oxumaré.
O papel da Arte
São tempos difíceis para a cultura e para se fazer arte no Brasil, Thiago vem sentindo toda essa dificuldade e admite que já pensou em parar várias vezes, mas assume que não consegue.
"Ali (no teatro) é o lugar que eu me realizo mais. Apesar de todo o sucateamento da cultura, eu não desisto porque eu me comunico bem ali. Eu gosto de ser atravessado pela arte e gosto de atravessar as pessoas também. Acho que é um belo encontro. (…) Eu acho que adoeceria se eu parasse", contou Thiago.
Romero reconhece as dificuldades de se fazer arte sendo "bicha preta" no Brasil de hoje, entretanto ele enfatiza a importância da resistência.
"A gente precisa sair da precariedade, é importante pensar sobre isso. Mas quando a arte acontece, é muito potente. A gente pode transformar o mundo, ou pelo menos transformar o modo de ver o mundo e isso me interessa", afirmou.
Em 2016, Romero ganhou o Prêmio Brasken de Teatro com a peça "Rebola", em seu discurso ele dedicou o prêmio a todas as bichas pretas. Ao refletir sobre a motivação da sua arte ele reforça que seu trabalho é uma contribuição para a comunidade LGBTQIA+, para a população negra, para que seu trabalho seja uma ferramenta para a reflexão.
Barbárie Bundi
Além das criações no teatro, Thiago Romero também se monta, para dar espaço a Barbárie Bundi, drag queen com quem Thiago convive e que lançou recentemente o EP "Aquátika", como uma homenagem para Yemanjá.
"A Barbárie é um processo que eu gosto de chamar como minha Afrofabulação. Ela tem ganhado uma autonomia como uma auto-ficção de mim mesma. Ela tem me ensinado muita coisa", disse.
"Não acho que ela seja um personagem, ela é um estado performativo, uma vivência, uma errância, é essa afrofabulação, auto-ficção minha, que vai me apontando outros caminhos", explicou Romero.
Thiago fala de Barbárie com muita facilidade. Porém, ao falar sobre si próprio, sente dificuldade, mas resume afirmando:
"Sou um cara que ainda acredita no sonho, eu acredito que é possível ainda. Por mais que muitas coisas te digam que não. Eu permaneço entendendo que o sonho é uma grande potência de estar vivo", afirmou.
Ao olhar para o futuro, Thiago espera que nós nos reencontremos com a alegria, que consigamos ser mais fortes que as violências e que pessoas negras encontrem essas alegrias em conexão com a ancestralidade.
"Que a gente tenha mais lembranças felizes do que traumas, eu quero que o futuro seja assim. Eu sou um Operário da arte, quero ser lembrado no futuro como alguém que pôde contribuir pro avanço de algo, que eu pude colaborar com a arte. Para ter um mundo com mais espaço pra gente."
Allana Gama
Allana Gama
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