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"A moda é comida fit: só tem hohormônio e transgênico", diz chef

Traficante de dendê: A cozinheira Tereza Paim tem três restaurantes, um festival gastronômico e luta pela comida artesanal

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08/12/2015 às 12:50 • Atualizada em 27/08/2022 às 11:51 - há XX semanas
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“Traficante de dendê e de carne de fumeiro”: assim se considera Tereza Paim, 54 anos, dona dos restaurantes Terreiro Bahia (em Praia do Forte e Camaçari) e Casa de Tereza (em Salvador), e do Festival Tempero no Forte, cuja 10ª edição acontece até o dia 13. O porquê da autodenominação? Ela leva a culinária baiana para o Brasil e para o mundo, mesmo com as restrições legais e pressões industriais contra ingredientes artesanais.

A cozinheira - ela prefere ser chamada assim ao invés de chef - curte uma panela desde menina. Ainda na infância, assumiu o fogão de casa, pois a mãe não gostava de cozinhar. Formada em Ciências da Computação, lá pelos 40, largou tudo e foi viver de moqueca. Entre entrevistas para divulgação do festival, ela bateu um papo com o BAZAR.

A cozinheira Tereza Paim, no restaurante Casa de Tereza: gastronomia artesanal é bandeira da chef (Foto: Solange Rossini/Divulgação)

Como começou na cozinha?
Cozinheira eu já nasci. Só faltava oportunidade e coragem nas décadas de 70 e 80. Até os anos 90 era muito difícil. Como se diz lá na roça, não era coisa apresentável. De resto, foi tudo intuitivo. Me formei em Ciências da Tecnologia e, com a chegada dos 40 anos, mudei. Encontrei muita gente generosa no caminho, que me mostrou coisas, ensinou técnicas e ajudou a me incluir no mundo da gastronomia. É o caso de Mônica Rangel (do reality show Cozinheiros em Ação, do GNT), que sempre participa do Tempero no Forte.

O que é imprescindível na profissão?
Ser generosa. Cozinha precisa de doação e resistência. A profissão é dura, exige muito do físico e do intelecto. Tem que estudar e trabalhar muito. O produto da gente é delicado. Pode tanto dar vida como tirar a vida. Todos os dias são iguais do ponto de vista de atenção para poder manter um padrão. Quem come um prato e volta daqui a 10 anos quer encontrar a mesma qualidade. A equipe tem que ser muito bem alinhada.

E as dificuldades?
Conseguir bons fornecedores sem recorrer à indústria. E olhe que eu já trabalho há anos. E sempre estou desenvolvendo e mantendo fornecedores. Quem tá na roça plantando tem um relógio biológico diferente. Ele vive a natureza, as intempéries, o sol, a noite e a chuva. O tempo deles é biológico. O da cidade é outro, é cronológico. Fazer com que essas pessoas entendam que se você precisa do inhame pra segunda-feira é segunda mesmo, e não pode ser terça ou quinta, é bem trabalhoso.

Como fazer isso?
É um desafio diário. No Recôncavo tem produções artesanais de comidas maravilhosas, como a carne de fumeiro. Vi uma sedução muito forte da indústria com os produtores. Ela busca caminhos mais curtos e preços mais baixos, sempre. Muitas vezes usando produtos químicos. E a gente paga com a saúde por essa agilidade e padronização. O desafio é mostrar ao pequeno produtor que ele pode continuar a defumar sem usar química. Para compensar a demora do processo, pode vendê-la sinalizada, um pouco mais caro.

Onde entra o poder público?
As políticas públicas precisam valorizar os produtos artesanais para que o mercado enxergue as vantagens, como é feito na Europa e nos Estados Unidos. Ingrediente artesanal é mais gostoso, saudável e justo. À medida que se compra no produtor, deixa-se mais renda no lugar da produção. É um fator de desenvolvimento social. Aqui, pelo contrário, a Anvisa recomenda produtos químicos. Eu gostaria de ver uma melhora na vida das pessoas. Mas não botando plástico, azulejo e química em tudo. Tem que melhorar a qualificação.

Pro fumeiro, a Vigilância recomenda um produto que deixa a carne vermelha e acelera a defumação. Perde-se sabor e qualidade. A gente quase não pode usar produtos artesanais e quem ganha com isso é a indústria. Me sinto uma traficante de carne de fumeiro e dendê.

Recomenda os orgânicos?
Claro. Compre um quilo de batata doce orgânica e um quilo de não-orgânica. Cozinhe as duas e compare os pesos. A orgânica pesa mais. Isso porque os transgênicos absorvem mais água para crescerem mais rápido e acabam com menos sabor e substância. Isso eu posso garantir, pois fiz o teste no restaurante, para provar para meu pessoal, que não acreditava.

E o preço?
A diferença não é tão grande. Se você vai num mercado popular e opta pelos orgânicos, pode comparar: para uma casa de quatro pessoas, a diferença de preço fica em torno de R$ 10. No mais, é fomento. Quando houver mais mercado, a produção vai ficar maior e o preço cai.

Qual o papel do chef nisso?
Tem gente - que a gente chama de batedor de panela e não de chef - que só tá preocupada em levar prato pra mesa. Um cozinheiro tem que estar conectado. Não é só ver custo e venda, é ver como tá alimentando as pessoas. Não adianta dizer que o ingrediente é o amor. Amor é botar na mesa das pessoas alimentos saudáveis e gostosos. É conscientizar de que formas não-industrializadas são melhores. Um produto muito bom pode gerar um prato muito bom. Já um produto ruim nunca vai gerar um prato bom.

Há alimentos controversos?
Há 10 anos é chique comer salmão. Ninguém se preocupou com a origem. A pesca ameaça espécies e o cultivo imenso estraga o meio ambiente, porque todo mundo só quer comer salmão. E os nossos peixes: o vermelho, a tilápia? Estão aqui pertinho e são mais saudáveis. Quanto menos quilômetros um ingrediente viaja, melhor, mais saudável e mais barato ele vai ser.

Outra coisa é o molho shoyu. Qual é o shoyu bom que tem aqui no país? A maioria é de péssima qualidade. Só tem sódio. E as pessoas pegam o peixe leve da comida japonesa e mergulham naquela coisa.

E a onda fit?
Confundem alimento saudável com alimento magro. A moda agora é tudo fitness, tudo proteico. O povo come peito de frango com aveia porque diz que é fit. Só que o frango é cheio de hormônio e a aveia é transgênica. O frango que se criava em um ano tá indo pro abate com 60 dias.

Obviamente isso tá cheio de química. Você nota pelo odor. Frango de verdade, orgânico, nunca teve murrinha. Agora, os de mercado têm. Aquilo é remédio, antibiótico. Eu como gordura sem medo de ser feliz e não tenho nenhuma taxa alterada. Tô aqui toda toda trabalhada no vinho, que é antioxidante (risos).

Você se apresenta como cozinheira. Por que não chef?
Existe um mito em volta do chef de cozinha. Chef não é profissão: é um cargo. Minha profissão é cozinheira. Existem, em restaurantes, chefs, subchefes, auxiliares... Às vezes, o povo se forma e já diz que é chef. Chef é quem comanda uma brigada. Prefiro ser cozinheira.

O que destaca deste Tempero no Forte?
É a grande celebração da gastronomia da região há 10 anos. A intenção é mostrar sabores daqui e chefs de todo lugar. Eles deixam conhecimento e ajudam a repensar a comida da região. Este ano, a revista Prazeres da Mesa fará uma edição especial lá. Queremos trazer o evento para Salvador. Acho que precisamos de um festival de gastronomia ligado a slow food e com a cara da Bahia.

Correio24horas

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