|
---|
Ambientação do foyer do Cine Tupy, feito por Juarez Paraíso. destruído em 1968 (Foto: Acervo do Artista) |
"Eu tenho boas lembranças das idas ao cinema", contou a aposentada Sonia Sampaio de 62 anos. Junto com a fala, um sorriso no rosto e o brilho no olhar, característicos de quem tem saudade de algo que foi muito bom. "Toda semana ia ao cinema com minha vizinha", completa.Dona Sonia não é a única que sente falta do ritual de ir ao cinema. O sentimento é comum entre muitas pessoas que costumavam assistir aos lançamentos em salas que ficavam nas ruas da cidade. Um lugar bem diferente dos shoppings, para onde estamos acostumados a ir se queremos ver filmes."Minha geração ia muito nas salas de rua", revela a funcionária pública Claudia Amorim, de 44 anos. Ela é filha de dona Sônia e pegou o Cine Bahia, na rua Carlos Gomes e as duas salas do Cine Art, no Politeama ainda abertos. "Assisti a Ghost, Na Cama com Madonna nesses cinemas. Era ótimo para conhecer pessoas e encontrar os amigos", conta saudosista.
|
---|
O Cine Tupy na Baixa dos Sapateiros, se tornou local de "pegação" para homossexuais e exibe apenas filmes eróticos (Foto: Eli Cruz/iBahia) |
Sem glamour, mas ainda abertoSim, antes de ter cinema em shopping, tinha o cinema de rua. E antes dele ser de rua, ele era só cinema. É difícil acreditar, principalmente se você nasceu depois dos anos 1990 que ir ao cinema em Salvador envolvia um outro ritual. O lugar das principais salas de cinema da cidade eram as ruas e Salvador tinha 23 locais para exibição de filmes, sendo que grande parte deles ficava na região do centro da cidade. A Avenida J.J. Seabra, por exemplo, a famosa Baixa dos Sapateiros, agrupava três famosas salas, uma delas ainda em funcionamento. O Cine Tupy, inaugurado em 1956, ainda funciona logo no início da avenida e exibe, diariamente, dois filmes com conteúdo erótico, sendo que um ingresso vale para as duas sessões. Antes um grande cinema, o Tupy se tornou, atualmente um reduto para encontros sexuais, muito frequentado por homossexuais e garotos de programa.Além de se tornar local de "pegação" para o público gay, o cinema acumula reclamações, inclusive, de usuários. Sujeira, mau cheiro, descuido. "Mas assim, é uma sujeira que é dos próprios usuários, que jogam camisinha no chão, que não usam o lixo", conta um ambulante que tem uma barraca em frente ao cinema e disse já ter frequentado a sala do Tupy.
Decadência e descasoA decadência das salas também atingiu os outros cinemas da avenida, e de forma mais drástica, o Cine-Teatro Jandaia e o Cine Pax. Os dois encontram-se fechados, fora de uso e sem perspectivas de revitalização. O Jandaia foi inaugurado em 1911 e já recebeu, além de filmes, grandes espetáculos de teatro e óperas, sendo frequentado pela elite cultural e rica da cidade. Hoje em dia, de portas fechadas não há sinal de que o cinema será revitalizado, já que não há interesse dos herdeiros do prédio para isso.
|
---|
Situação do Cine-Teatro Jandaia em 2013, quando o Ipac foi ao cinema fazer uma avaliação para o tombamento do local (Foto: Divulgação/SecultBA/Ipac) |
Já o Cine Pax pertence à Ordem Primeira de São Francisco. Antes um espaço para se assistir a grandes lançamentos, atualmente coleciona reclamações de moradores e lojistas da região onde fica instalado, ainda na Baixa dos Sapateiros. "Já tentamos contato com a Igreja, mas ninguém resolve", reclama Cherryes Alvarez, de 48 anos, morador da região e dono de uma banca de lanches."Antigamente, tinha fila para entrar aqui. Já assisti a muitos filmes, era um normal e um pornô", conta Cherryes, lembrando que o cinema, antes do seu fechamento também recorreu à exibição de filmes eróticos. "Agora, só acumula água de chuva", conta o ambulante. Os lojistas e trabalhadores da região reclamam das chances de contraírem doenças por causa dos mosquitos. Outro coisa que eles têm medo é de que a estrutura do cinema, que já foi considerado um dos melhores da América Latina venha a desabar.
|
---|
Na Baixa dos Sapateiros, o Cine Pax tem provocado insatisfação aos lojistas e moradores da região por causa do descaso com que é tratado. "Cheio de mosquito e água parada" (Foto: Eli Cruz/iBahia) |
Um respiro, ainda na ruaNo entanto, em meio a toda a saudade dos cinemas de rua da cidade, um conjunto de salas é um respiro. O Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha foi criado em 1920 como Cine Guarani, tendo mudado de nome em 1981 para Cine Glauber Rocha, quando da morte do cineasta baiano. Depois de dez anos fechado foi reformado e faz inaugurado com Espaço Unibanco de Cinema, posteriormente, Itaú. Atualmente, acompanha o Circuito Saladearte na resistência dos cinemas de rua. "É um espaço agradável", conta a estudante Rejane Santiago, de 30 anos. Ela, que faz curso técnico de Enfermagem no Comércio, aproveita o tempo livre para ver filmes ou apenas tomar um café no local.
|
---|
No coração da cidade, em frente à Praça Castro Alves, o Glauber, como é chamado é o único dos antigos cinemas que ainda resiste com exibição de filmes comerciais e do circuito alternativo (Foto: Eli Cruz/iBahia) |
"É um lugar ótimo. Tem aconchego", reflete Claudia Amorim. As duas concordam que falta divulgação do espaço. Para Claudia, a falta de segurança na região é que afasta o público. "No shopping é mais seguro", afirma. Sua mãe também acha, mas acredita que as coisas podem mudar. "Quanto mais gente, mais movimento e, assim, menos violência", conclui Dona Sônia.
*Com orientação e supervisão de Rafaele Rego