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Música é mágica. Na última segunda-feira (13), no Teatro Castro Alves, ela foi capaz de transportar mais de 1.200 pessoas numa máquina do tempo direto para 1965. Quem ligou a chave foi a banda The Dap-Kings, que abriu a noite já dando uma prévia do que se ouviria nas duas horas seguintes. Uma introdução para a longa apoteose da estrela da noite: a cantora norte-americana Sharon Jones, que comandou a viagem. Foi difícil para o bom público presente se segurar nas cadeiras diante de um furacão de saias, um James Brown em versão feminina, injetando soul music e funk como se estivéssemos nos tempos da Stax e Motown. Com uma voz grandiosa e uma variação de timbres, tons e cores impressionante, sem falar da presença de palco de cair o queixo, Sharon fez um dos melhores shows que o TCA já assistiu. Pelo burburinho depois do show, provável até que um dos mais impressionantes que já passou por Salvador. Desde o momento em que aparece no palco, a pequena grande cantora já mostra como faz de seu show um momento hipnótico, regado a funk, soul e rhythm blues de altíssimo nível. A banda "absurda" chama a atenção e nos remete ao que melhor se produziu desses gêneros na história. Cada um dos naipes do The Dap-Kings merece holofote próprio - os sopros, as duas guitarras, a potente cozinha de baixo, bateria e percussão, além das duas backing vocals -, no melhor estilo dos tradicionais corais de igrejas norte-americanas. Sem ofuscar, mas atraindo olhos e ouvidos para si o tempo todo, Sharon, no alto de seus 55 anos, se entregava no principal palco baiano, como se fosse o show mais especial de sua vida. Como deve fazer, aliás, em todos que apresenta. Mostrava, com uma habilidade e destreza impressionantes, diversas danças embaladas por puro funk. Jogando braços e, especialmente, pernas para todos os lados, em um balanço natural que remetia a algo como o velho James Brown ensandecido. Já no início, ela mostrava passos que lembram algo como uma galinha ou uma pessoa nadando, tudo num suingue de fazer babar qualquer dançarina de pagode. As pernas pareciam possuídas, não paravam. O ritmo era frenético, em sintonia com a música. O público se empolgava, aplaudia em pé, e, a partir dessa catarse coletiva, a viagem não teve mais volta, a plateia começou a se aproximar do palco e a dançar com a diva. Com um repertório baseado em músicas de seu último disco, "I Learned the Hard Way", lançado ano passado, Sharon tinha o público na mão e sabia disso. Sua simpatia só colaborava para os tantos trunfos que apresentava. Dialogava com a plateia, puxava um rapaz para dançar, corria de um lado a outro e interpretava as músicas. Como em "Mama Don´t Like My Man", em que tenta convencer a mãe a aceitar seu amante, ou em "Windows Shopping", que fala daquele olhar que seu homem dá nas mulheres que passam pela frente. Inclui ainda um de seus hits, a excelente "100 Days, 100 Nights", do disco de mesmo nome de 2007. Tudo sob o controle da sensacional da voz, que exibia sem dó nem piedade, de forma natural, sem precisar apelar para os truques tolos abusados por cantoras com bem menos talento. "Este é um mundo de homens" dizia a música de "It's A Man's Man's Man's World", de James Brown, que Sharon canta barbaramente no biz apoteótico para encerrar o show. Letra que só reforça porque Sharon Jones não é ainda um ícone da Black Music como deveria. A música, no entanto, diz ainda que o mundo "não seria nada, nada sem uma mulher ou uma menina", o que nos leva a pensar que, apesar do machismo reinante, a transformação de Sharon em ícone parece ser só questão de tempo. Quem nunca viu o pai do funk, deve ter ficado satisfeito em ver essa mulher no palco. Talvez presenciando uma lenda ainda semi descoberta.