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Desabrigados dos Alagados invadem conjunto habitacional

Os desabrigados serão cadastrados num novo projeto de 250 unidades na região

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15/01/2015 às 8:09 • Atualizada em 28/08/2022 às 10:34 - há XX semanas
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Sem abrigo após o incêndio, muitos moradores das palafitas ocuparam casas do Conjunto Habitacional Mangueira III, na Rua do Leblon, em frente ao local atingido pelo fogo, que tem 130 casas. Cerca de 40 foram ocupadas. Elas, porém, já pertencem a outras pessoas, que agora exigem a retirada dos desabrigados.

Bombeiros fazem o rescaldo do que sobrou de cinco horas de fogo. Cenário era devastador pela manhã (Foto: Mauro Akin Nassor)

Com o comprovante em mãos, a babá Luciana de Jesus, 32, disse que também precisa da casa, ocupada pela dona de casa Nailde Bispo dos Santos, 35, com as duas filhas. “O pessoal fica dizendo que não vai sair, mas eu estou precisando me mudar”, afirmou Luciana, que disse entender a situação de Nailde, mas quer a casa de volta. Do outro lado, Nailde, em lágrimas, tentava explicar a sua situação. “Eu não quero tomar a casa de ninguém, é só porque perdi tudo, não tenho parente, não tenho mais ninguém, só minhas filhas. Se arranjarem um lugar pra botar a gente, eu vou”, disse. Em nota, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Conder) informou que “as famílias desabrigadas que ocuparam os imóveis do empreendimento (Mangueira III) estão sendo identificadas, segundo cadastramento já realizado, para atendimento imediato através do auxílio aluguel”. O secretário estadual da Casa Civil, Bruno Dauster, disse que procura solução definitiva. Segundo ele, os desabrigados serão cadastrados num novo projeto de 250 unidades na região. À tarde, o prefeito ACM Neto esteve no local e afirmou que a prefeitura vai encaminhar as famílias desalojadas para a Escola Centro Social Mangabeira, na Travessa Rubem Amorim. O local tem 12 salas e um auditório. “Estamos aqui, não só preocupados, mas já tomando decisões. Vamos dar todo o suporte às famílias, inclusive para ajudar na locomoção até a escola. Vamos doar colchonetes, cesta básica, roupas de cama e material de higiene o período que as pessoas estiverem no Centro Social”, garantiu. Leia também: Governo vai distribuir comida para famílias atingidas por incêndio nos Alagados Neto estima que as famílias devem permanecer no local por até dez dias – tempo para que comecem a receber o aluguel social, de R$ 300. “Do ponto de vista da legislação atual, o prazo máximo de pagamento do aluguel é de seis meses, mas, se for necessário, vamos até mudar a lei para garantir que eles recebam o auxílio pelo tempo necessário, até o dia que tenham moradia definitiva”, disse. O governo do estado informou que distribuirá refeições e água potável. 50 famílias ficam sem casa nos Alagados Não deu tempo de salvar quase nada. Em poucos minutos, tudo virou chamas nos Alagados da comunidade da Mangueira, em Massaranduba, na madrugada de ontem. “Eu nunca vi uma coisa daquelas, parecia cena de filme”, contou a auxiliar de serviços gerais Margarete Silva. Ela foi acordada pelos gritos da irmã que pedia socorro para conter as chamas que já consumiam a casa. Os barracos incendiados eram de madeira e madeirite, o que ajudou as chamas a se propagarem rapidamente. No meio da escuridão da madrugada, os moradores desesperados corriam entre os becos da comunidade na tentativa de salvar vizinhos e móveis e conter o fogo com baldes de água. De porta em porta, pediam socorro, enquanto aguardavam os bombeiros. O grupamento não demorou a chegar – cerca de meia hora após o início do incêndio –, mas foi preciso cinco horas de trabalho para debelar completamente as chamas. A comunidade assistiu de perto ao pouco que tinham virar cinzas. Segundo moradores, cerca de 100 barracos foram destruídos. Bombeiros estimam 50 habitações consumidas. Em meio aos escombros das palafitas e com lágrimas nos olhos, a cabeleireira Daiane Silva, de 31 anos, olhava para o que havia restado do barraco, que também servia como local de trabalho. “Ali era uma cadeira onde eu fazia o cabelo das meninas. Ali ó, os frascos dos meus esmaltes, não ficou nada”, apontou a jovem para os pequenos vidros escurecidos. Daiane lembrou do momento em que a tia a chamou. “Só ouvi os gritos, peguei minha filha e saí correndo”, contou. Sem casa e contando com o apoio apenas dos vizinhos, Daiane ainda não tem ideia do que vai fazer daqui pra frente. “Só Deus sabe da minha vida agora”, desabafou. Dos barracos, ficaram apenas pedaços de madeira queimados, ferro retorcido, documentos e trapos de roupas. Até animais de estimação foram surpreendidos pelo fogo e alguns não puderam ser salvos, como os do pedreiro Jorge Saraiva, 55 anos. “Eu perdi até as minhas galinhas, meus documentos, tudo, tudo”, lamentava o morador. Baldes Ontem, no início da manhã, moradores ainda ajudavam o Corpo de Bombeiros no trabalho de rescaldo, com baldes de água. A auxiliar de serviços gerais Joselita dos Santos Pereira, 45 anos, ligou para o cunhado Valmir da Silva, que mora do outro lado da maré, para pedir socorro. Ela dormia no quarto, que foi tomado pelas chamas, quando acordou com os gritos do filho. “Ele gritava: ‘tá pegando fogo, mãe, acorda, acorda’. Eu saí com a roupa do corpo”, lamentou. Os moradores se uniram para tentar apagar o fogo, mas não deu para controlar as chamas. Cada vez mais altas, elas chegaram a derreter uma caixa d'água que fica no segundo andar de uma casa. O fogo só foi contido às 5h da manhã, mas focos ainda teimavam em aparecer por volta das 8h.

Origem do incêndio ainda é desconhecida, mas moradores sabem bem o que perderam: tudo (Foto: Mauro Akin Nassor)

A outra metade da casa de Joselita, feita de tijolos, ficou de pé, com o que o irmão conseguiu salvar: uma geladeira e um armário. O sonho de Joselita era terminar a casa, mas não deu tempo. Os bombeiros ainda trabalhavam no rescaldo quando o terceiro carro-pipa chegou para auxiliar no combate às chamas. Segundo o major Carregosa, a ação foi complicada por conta da geografia da comunidade, composta de becos estreitos. “Tivemos que fazer uma linha de mangueira de 250 metros para conseguir chegar no local”, explicou. Quem saiu com a roupa do corpo, como a faxineira Lucinete da Paixão, 51, contou com a solidariedade da lojista Janete de Araújo, 43, que levou as roupas de sua loja para doar e quebrour a parede de casa para facilitar a saída dos vizinhos. “Eu estava vendendo em bazar, a qualquer preço. Quando vi o que tinha acontecido, resolvi trazer para ajudar as pessoas”, explicou. A casa de Janete fica bem perto de onde aconteceu o incêndio. Causas Ainda não se sabe o que teria provocado o incêndio, mas alguns moradores acreditam que pode ter sido criminoso. “Alguém tocou fogo, com certeza. Não foi fio, não”, disse a dona de casa Nailde Bispo dos Santos, 35 anos. Outros moradores relataram que um homem encapuzado foi visto circulando no local com um galão de gasolina na mão. O suspeito teria a intenção de atingir o barraco de um traficante rival. O caso deve ser investigado pela 3ª Delegacia (Bonfim), mas até a tarde de ontem ninguém havia registrado queixa, para que fosse iniciada a investigação. A partir disso deve ser solicitada uma perícia do local do incêndio, que poderá determinar as causas. Rogai por nós Diante de tanto desespero, o vigilante Isaías Carvalho, 40, que morou seis anos nos Alagados, fez um desabafo – ou um pedido aos céus – estendeu uma faixa preta em meio aos escombros, onde se lia: “Senhor, rogai por nós”, em letras brancas. “Há muito tempo, a gente já vinha rogando ao poder público para olhar por nós e não tinha resposta nenhuma. Agora, a única coisa que a gente pode fazer é rogar a Deus”, disse.

Depois do controle do fogo, moradores estenderam enorme faixa mostrando fé no futuro (Foto: Robson Mendes)

A fé que inspirou a faixa surgiu em meio às cinzas. Quando soube do incêndio, Isaías foi correndo tentar ajudar a salvar alguma coisa. Ou, pelo menos, os documentos de um amigo que morava lá, mas estava passando férias na Ilha de Itaparica. “Mas não achamos nada na casa dele. Tudo estava queimado. A única coisa que não estava queimada era uma Bíblia”, contou o vigilante. As bordas da Bíblia até foram chamuscadas, mas, segundo Isaías, o conteúdo continuava legível. “Na hora, o que li foi ‘há tempo de sorrir e de chorar, tempo de matar e tempo de curar, tempo de destruir e tempo de construir’. E só a gente sabe o que foi aquilo ali. Gente que não tinha nada perdeu tudo. Só nos restou a dignidade”, desabafou. Thais Borges.
Correio24horas

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