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Dominó de Salvador é dominado por taxistas e aposentados

Lasquinê, buchada...dominó tem regras próprias, linguagem e termos genuinamente baianos

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29/03/2016 às 9:05 • Atualizada em 01/09/2022 às 13:10 - há XX semanas
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Só venha com sete pedras na mão se for para jogar. Não adianta dar migué, porque “aqui o dominó ganha do futebol”, como afirma o aposentado Zilton Alves dos Santos, 68 anos, fundador da mesa de dominó dos taxistas em Ondina, em frente ao Hotel Porto Bello.

Tradição na Bahia, grupo de amigos se reunem em ruas para jogarem domino (Foto: Arisson Marinho)

Do mirante de Itapuã até o Relógio de São Pedro, numa infinidade de “bancos do pau mole”, o dominó jogado em Salvador é duro, pai (lá ele)! Regras próprias, linguagem e termos genuinamente baianos. É lasquinê, buchada, a zorra toda. Basta o fim da tarde chegar que as mesas começam a se formar pela cidade.
No comando da jogatina que acontece no mesmo lugar desde 1986, Seu Zilton foi ousado e pediu até ajuda para melhorar a infraestrutura do local. “A gente se reuniu e pediu ao Cícero, dono do hotel (Porto Bello) para comprar material e construir as duas mesas. Ele nos atendeu. No dia da inauguração, fizemos um churrasco”, contou, sem se lembrar do ano da inauguração.
Mesmo durante a entrevista o dominó comia no centro. De butuca na conversa, Jorge Roberto, 51 anos, também taxista, lembrou de outro fato inusitado. “Sabe quem inaugurou nossa pracinha aqui? Dona Dulcinha, irmã de irmã Dulce”, disse todo cheio. A superintendente da Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), Maria Rita Pontes, sobrinha do Anjo Bom da Bahia e filha de Dulcinha, confessou não recordar, mas acha bem possível que a mãe tenha feito parte da cerimônia. “Ela morava perto e faleceu tem uns dez anos. Ela tinha uma boa relação com os taxistas”, lembra.
Pouco se fala na mesa, mas, de tanto jogar, seu Zilton conhece até mesmo a expressão lá e lô, o lasquinê dos baianos, que é quando o cara bate combinando as duas pontas. “Eu usava antigamente, mas lasquinê se fala muito mais. A gente fala também ‘essa é mais cara’, quando o cara bate de bucha, ou buchada mesmo”, explicou.
E é cada batida na mesa, mermão... A intenção da zoada é intimidar a dupla adversária. Ainda bem que as peças são feitas tradicionalmente de osso e guentam porrada.
O jogo agrada todas as idades, mas tem como adeptos fiéis os aposentados e taxistas. “É o nosso passatempo”, disse seu Zilton, fã incondicional do esporte. “É um dos esportes mais jogados do mundo e não sou eu que digo não, tá no Livro dos Recordes”, cravou.
Diante de tanta empolgação, o CORREIO tentou conferir o dado, mas não encontrou nada no Livro dos Recordes. Se foi lero ou não de seu Zilton, não importa. O que importa é que todos os dias às 16h, hoje inclusive (e mesmo já tendo largado a praça), o taxista aposentado estará com outros profissionais do dominó, celebrando mais um momento leve com um dominó duro.
Só na charlação
Na Ladeira da Cruz da Redenção, em Brotas, dizem que o dominó come no centro no mesmo lugar há mais de 30 anos, mas a conta não fecha pra ninguém. “O primeiro aqui foi Dinho”, diz um dos presentes. “Foi eu não, você é mais velho”, responde. “Não, rapaz, o mais velho... lasca ele!”, interrompe no meio de sua própria fala o jornalista Cristóvão Rodrigues, de 69 anos, morador da vizinhança há.
E o lasque traque rolou com um terno de duque. Mais uma dupla levantando da mesa no espaço conhecido como Praça dos PMs. “PM são os velhos pau-mole”, cochicha Rodrigues.
Para ele, o dominó é uma terapia. “Eu xingo todo mundo, todo mundo me xinga e tá tudo bem”, diz, antes de ser interrompido por um outro participante: “ele já te perguntou se aqui rola briga?”, perguntaram ao repórter.
Pior que já. E muitas. Jogadores saíram na mão e trocaram xingamentos, mas tudo termina sempre bem. Afinal, para Rodrigues, o dominó é o jogo mais democrático do mundo. “O gari é parceiro do desembargador. Lá na mesa da praia da Pituba, o desembargador, já falecido, jogava errado e o gari gritava ‘Você é burro, doutor!’”, se diverte.
Nesse momento é que chega o porretão. Depois de tanto auê, a galera reconheceu que o mais coroa naquelas bandas é seu Esaú Rodrigues Torres, de 85 anos. Mas se você chegar lá perguntando por esse nome, ninguém sabe quem é. Na Praça dos PMs, ele é Bidô.
“Muita gente diz que botou esse dominó. Quem botou aqui foi eu e o finado Raimundo”, garante, charlando. “Fui considerado o melhor jogador de dominó da Bahia”, tira onda Bidô.
Hoje, ele está aposentado. Do trabalho e do dominó. O motivo é bem simples. “Rapaz, deixei de jogar porque não tem mais jogador que preste. Não dá nem vontade”, assegura, antes de dar uma boa dica para fazer sucesso com as 28 pedras: “Tem que ter o máximo de atenção”. Aprenda, sacana!
Locais clássicos:
Mirante de Itapuã
Relógio de São Pedro (Centro)
Campo Grande
Ladeira da Cruz da Redenção (Brotas)
Praça Almeida Couto (Nazaré)
Ondina (Próximo ao hotel Portobello)
Jardim Brasil
Glossário:
Dar migué – Fazer corpo mole
Comia no centro – Acontecia de forma intensa
Aqui é duro, pai – Significa que é disputado, difícil de vencer o adversário
A zorra toda – Tem tudo
Butuca – tocaia
Barrigada – informação errada
Lasquinê, lasque traque – quando um jogador bate com uma pedra que se encaixa nas duas pontas do jogo. Se não houver mais nenhuma pedra do mesmo naipe, o lasquinê é preso
Lascadinho – jogo apostado com dinheiro
Chico Romero – terminar o jogo com sete pedras na mão
Gastar com a cara – pertubar
Charlar – contar vantagem
Auê – confusão, todo mundo falando junto
Lascar – dar um lasquinê
Picudo – o melhor em algo
Correio24horas

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