Para além da questão material, a atriz Ingra Lyberato tem se encontrado aflita também com os riscos que os familiares estão correndo desde que a chácara que guarda parte do legado do pai, o arista Chico Liberato, foi invadida, em Salvador. Em um texto enviado ao iBahia com exclusividade, a baiana falou sobre o assunto.
"Sinto que o legado de meu pai Chico Liberato, não fica ameaçado pelos invasores, porque seu legado está registrado na vida de pessoas que foram tocadas por sua paixão pela Arte, seus quadros e filmes. Portanto tem um valor imaterial que ninguém pode roubar. Seus quadros sim, podem ser roubados, mas o que me aflige é a possibilidade de invasão e ameaça à integridade física e emocional de quem mora lá. Minha mãe mora lá juntamente com outras pessoas".
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No posicionamento, Ingra destacou ainda a importância da preservação das terras, que são os últimos remanescentes de Mata Atlântica na região. Além da propriedade da família, há outras três sofrendo com as ações de operários, que começaram a cavar buracos e instalar cercas sem autorização dos donos.
"Fora o desrespeito às leis de propriedade privada, existe o risco de violência contra quem mora na casa, e risco de desmatamento de uma área de mais ou menos cem mil metros quadrados de mata atlântica! A última da região. A medida que a cidade avança, animais fogem para nosso quintal quando não são abatidos na mata".
No relato emocionante, a atriz relembrou a infância na região, crescendo perto da natureza e de animais que habitaram as terras, quase 50 anos atrás, quando se mudaram para a chácara, no bairro do Trobogy.
"Chegamos lá em 1975 e eu cresci nos quintais, subindo em árvore, brincando com os filhos dos caseiros e lidando com vários animais silvestres. Não existia muro e todos se conheciam. O barulho e a poluição fazem parte da urbanização que chegou na rua, mas invasão de propriedade é algo muito sério, que não pode ser aceito como parte do pacote".
A baiana classificou a situação como uma exploração a qualquer custo e pediu uma solução. "Sinto que o nosso legado como cidadãos e seres humanos é que está ameaçado pela exploração a qualquer custo. As autoridades competentes precisam agir para aplicar a lei e evitar qualquer dano aos moradores e à área de preservação ambiental. É uma situação muito seria!".
O caso, que foi divulgado nesta quarta-feira pelo iBahia, está sob investigação da Polícia Civil. Em nota, a corporação informou que a 10ª Delegacia Territorial (DT/Pau da Lima) está com a denúncia. O crime é apurado como esbulho possessório, que é definido juridicamente como a perda de posse ou propriedade através de violência, clandestinidade ou precariedade.
Invasão
Ao iBahia, João Riso, que é irmão de Ingra, contou que tudo começou há uma semana, quando operários não identificados chegaram no imóvel, que se tornou um espaço histórico e cultural reconhecido com as obras do pai deles - o desenhista, pintor, escultor, gravador, cineasta e designer gráfico Chico Liberato, que morreu em janeiro.
"No primeiro momento em que esse pessoal chegou para colocar as estacas, a gente avisou que se tratava de um imóvel com documentos. Esse pessoal, no primeiro momento, foi embora e logo na sequência eles voltaram. Eles fizeram isso num processo de 3 a 4 dias seguidos. A gente avisava, eles iam embora e [eles] voltavam de novo. E sempre dizendo que estavam cumprindo uma ordem que foi dada", detalhou.
O embate tem seguido dia após dia, como citado pelo professor, mas eles ainda não sabem ao certo o que esses homens desejam com o cercado.
A hipótese apontada pelos operários que trabalham no local para um dos proprietários é de que a cerca estaria em montagem para a obra de duplicação da Via Barradão. Foi o que informou ao iBahia o professor Francisco Guimarães, que mora na região há mais de 30 anos e é vizinho da família.
"Na segunda-feira eu fui no local e encontrei os trabalhadores que estavam fazendo esse serviço. Eles se identificaram como trabalhadores, que estavam com um suporte, e disseram que essa ação estaria ligada a uma duplicação da avenida. Não entrei no confronto com essas pessoas, mas sinalizei que estavam invadindo a área e que a gente estava tomando providências", disse.
No entanto, em contato com o portal, a Conder, que é responsável pela obra, informou que a situação não tem relação com o serviço, que ainda está em processo licitatório. O anúncio da abertura do processo de licitação, inclusive, foi divulgado na última semana e a obra não deve afetar a área em questão.
Os terrenos, que ficam na Rua Mocambo, são os últimos remanescentes de Mata Atlântica na região, e já teriam sido alvos de ações como essa, de acordo com a professora aposentada Lucinete Chaves - outra proprietária da área.
"A gente já teve em outras épocas episódios de tentativas, mas agora eles estão mais ousados, de forma organizada. Eu acho que eles pegariam no mínimo uns 12 mil m²"
Lucinete contou ainda que quando se mudou a intenção era criar os filhos em um local próximo da natureza e que a região era tranquila, porque, na época, há cerca de 30 anos, era somente mata.
"Ali tinha fama de local perigoso, porque era uma área longe do centro urbano, mas era algo que a gente não via. A gente vivia em paz".
Para a aposentada, a sensação é de insegurança e incerteza. Ela conta que está mais assustada desta vez que das anteriores, já que a ação tem sido intensificada.
"Insegurança, vazio, falta de segurança para os cidadãos. A gente está totalmente sozinhos em relação a essa onda de grilagem em Salvador. A gente sabe que não somos os únicos. Eu fico assustada".
Alan Oliveira
Alan Oliveira
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