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Mais de 60% dos restaurantes de Salvador estão endividados

Pioneiro da cozinha italiana moderna e dono de restaurante em Salvador, Sergio Arno se reinventa

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21/10/2015 às 7:35 • Atualizada em 28/08/2022 às 13:48 - há XX semanas
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Um dos pioneiros da moderna culinária italiana no Brasil, Sergio Arno abriu seu primeiro restaurante, o La Vecchia Cucina, em 1987, em São Paulo. Depois de mais de 20 anos de sucesso, precisou fechar e adaptar o formato. Hoje tem mais de 16 restaurantes pelo Brasil, entre eles o La Pasta Gialla, na Pituba. Lá, ao lado da mulher e sócia Fernanda, recebeu o BAZAR para um bate papo. Confira.

O chef Sergio Arno no La Pasta Gialla, que fica na Pituba: compreensão de mercado e mudanças de formato para manter o faturamento (Foto: Angeluci Figueiredo)

Como começou na gastronomia?
Com 23 anos fui para a Itália trabalhar lá, como cozinheiro. Fiquei um ano e meio e voltei para o Brasil. Em São Paulo, abri o restaurante La Vecchia Cucina, que foi premiado, estrelado, etc.

Quais foram as dificuldades?
Primeiro, não tinha dinheiro. No Brasil, antes do (ex-presidente Fernando) Collor, não tinha nada importado, era tudo nacional. Sempre digo que chef brasileiro tem que saber cozinhar melhor que os de fora. Porque às vezes as coisas tão boas, às vezes tão ruins e ele tem que se virar com essa oscilação de qualidade. Eu conseguia, mas era difícil: não tinha farinha grano duro, por exemplo. Depois da abertura para as importações ficou bem mais fácil.

Era mais difícil empreender?
Era mais fácil porque não tinha concorrência. Eu fui o primeiro italiano moderno em São Paulo. Antes só tinha cantina. Hoje é mais difícil. Se eu fizesse o mesmo em São Paulo não teria o mesmo sucesso. Naquela época, no fim dos anos 80, só tinha três italianos bons, dois franceses bons, duas churrascarias boas... A concorrência era menos acirrada.

Como resistir tanto tempo?
Pra ser cozinheiro tem que gostar. E ter bom senso. Abri o primeiro restaurante em 1987 e fiquei os 10 primeiros anos indo dormir duas da manhã e acordando às cinco sem tirar férias. Hoje vejo jovem que acaba de se formar em faculdade e não quer trabalhar fim de semana, não quer sujar mãos... Na faculdade entram 100 alunos por semestre. No segundo ano, metade já saiu. Dos que se formam, metade não fica no ramo. Talvez dois dos 100 iniciais sejam bons de verdade. Faculdade, aliás, acaba sendo tipo curso profissionalizante. Tanto faz se o cara cursa Senac ou Anhembi Morumbi. As pessoas têm uma visão errada do que é ser cozinheiro.

E qual é a visão certa?
As pessoas veem o que a imprensa mostra, algo distorcido. É fazer programa de TV, ser galã, sair em coluna social, conhecer gente famosa... Nossa profissão é que nem várias outras. Pintores tem milhões. Mas de destaque meia dúzia. Cozinheiro idem. Alguns caras não são criativos, copiam tudo. Há uns anos vi, num jornal de Salvador, algo que me assustou. A matéria citava como chef um cara que havia trabalhado comigo cinco anos antes. Ele era cumin (auxiliar de garçom) no interior de São Paulo. Fui ao restaurante em Salvador e perguntei por ele, que nem estava lá. Quem cozinhava era um baiano. Isso é enganação. E tem muito.

Quem são os bons da Bahia?
Tem um chef que faz peixe muito bem, que é o do Amado, o Fabricio. O próprio Edinho também. Nossa cozinheira do La Pasta Gialla, Margarete, também é ótima. Tem o do Paraíso (Tropical, Beto Pimentel), que é muito bom. De frutos do mar tem o Mistura, em Itapuã. Tem coisa muito boa. Mas no geral tem mais coisa ruim do que boa e isso é no mundo todo. A gente não sabe comer direito.

Como assim?
Outro dia numa entrevista falei do Trip Advisor (aplicativo com dicas de turismo). As pessoas veem aquilo como guia gastronômico. Não é. É um guia de gente que quer comer bastante e barato. Quem tem nota boa é porque oferece comida farta. A maioria dos restaurantes caros são mal avaliados. No aplicativo, o povo reclama do atendimento, da porção... Ninguém avalia a comida mesmo. Minha massa é 20 vezes melhor porque uso farinha importada e ovo de verdade, em vez de pó, como é comum. Isso custa mais caro.

Teve muito problema com isso?
As pessoas tinham menos informação. Hoje isso melhorou um pouco. Há 30 anos devolviam risoto empapado em restaurante de São Paulo porque queriam comer arroz comum misturado com frango e ervilha. Há muitos anos vim fazer um evento em Salvador, era um jantar para 200 pessoas. Trouxe aspargo fresco de São Paulo, coisa que nem existia em Salvador. Fiz uma entrada com aspargo e um cara me chamou na mesa para brigar dizendo que aquilo não era aspargo, era vagem. As pessoas não sabiam o que comiam. Mais recentemente, trouxe pra São Paulo o tartufo fresco italiano, cujo quilo custa 7 mil euros. Ele é ralado na mesa, sobre o prato, que saía a 300 reais. Mesmo lá, onde o povo tem mais cultura, devolviam o prato alegando que estava estragado porque o cheiro do tartufo lembra peido (risos). Mas o cheiro é esse mesmo.

O que acha de food truck?
É consequência da nossa dificuldade financeira de modo geral. O cara não tem um milhão para abrir um restaurante, mas consegue 150 mil para um food truck. Acho um absurdo porque isso tira público de restaurante. É uma moda que a falta de dinheiro fez crescer. O cara vende três mil reais com o caminhão e não paga quase nada, às vezes só uma licença. Eu ficaria muito chateado se vendesse comida na praça aqui na minha frente. A carga tributária de um prato é de 48%. De cada 100 reais, 48 vão pro governo. Isso sem contar energia elétrica e demais despesas.

Vale a pena ter restaurante?
O grande problema de todo mundo é como ganhar dinheiro. Tenho certeza que, hoje, em São Paulo e Salvador também, mais de 60% dos restaurantes estão endividados. Conto nos dedos quem está no azul. A venda da comida não supre mais os custos. Só no volume. Se eu só vender 10 couverts aqui, tô ferrado. Tenho que fazer 100. Antigamente foi um grande negócio ter restaurante, dava muito dinheiro. Hoje não.

Como você se atualiza?
Fora o dom, só tem duas coisas necessárias em cozinha: ser esforçado e falar inglês ou francês. Toda a cozinha do mundo está nesses dois idiomas. Não existe espanhol nem outra lingua. Já li mais de 20 mil livros de culinária e continuo lendo mais, por, no mínimo, uma hora todo dia.

Correio24horas

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