Em uma partida de futebol, entrar no campo adversário é tarefa fundamental para quem busca a vitória. A regra do jogo pode servir como metáfora para 16 times amadores das comunidades de Plataforma, Boiadeiro, Matadouro e São João do Cabrito, que disputam um campeonato infantil no Subúrbio Ferroviário pautado na aproximação de comunidades que convivem com a guerra do tráfico de drogas. Da união de treinadores voluntários surgiu a ideia de aproveitar a agenda da Copa do Mundo como pretexto para realizar o chamado Mundialito de Novos Alagados, campeonato de futsal que envolve meninos de 9 a 12 anos iniciado ontem no Centro Educativo João Paulo II, no Cabrito. Ou melhor, que teve sua cerimônia de abertura na sexta-feira, no ‘Itaquerão’, como permanecerá apelidada a quadra do espaço comunitário até a final do campeonato, no próximo dia 14 de junho. A referência à arena paulista que recebe a abertura da Copa, no próximo dia 12, não é a única. Também irão acontecer jogos dos estudantes na quadra da rua principal de Boiadeiro, que passa a se chamar Maracanã, no espaço esportivo da Igreja Católica Jesus Cristo Ressuscitado, em Plataforma, que será o Mineirão do Mundialito e em uma quadra no final de linha do Cabrito, no local conhecido como Matadouro. Essa será a segunda Arena Fonte Nova da cidade – para quase todos os jogadores, na verdade, a primeira, já que eles nunca visitaram a praça esportiva recém-reformada.
ABERTURA Na sexta-feira, quando ocorreu um evento de abertura da competição, com a presença da Banda da Guarda Municipal de Salvador, foram as faixas com os nomes dos estádios que chamaram a atenção dos moradores durante uma passeata. “Eles ficaram curiosos, perguntando do que se tratava. Chamou atenção para o Mundialito”, conta o padre Emílio Bellani, da Igreja de Plataforma, o principal entusiasta do evento. Já os nomes dos times serão mantidos. “Cada um vem e traz sua identidade, sua história. Optamos por não mudar para nome de seleções dos países”, explica o padre. Apesar da escolha, o Meninos da Vila, time composto por jovens de diferentes comunidades, já diz ter vestido a camisa da Seleção. “O nosso padrão (uniforme) mudou este ano para ficar da Seleção. Aí, a gente já diz que é o Brasil”, brinca a treinadora Lourdes Santos Oliveira, 39 anos. É ela que enche a bola de mais de 30 crianças e adolescentes que dividem a paixão pelo esporte bretão. E como seleção precisa de craque, o estudante Anderson Rodrigues dos Santos, 11, do Meninos da Vila, se candidata. Ele é um atacante, como o seu ídolo, Neymar, e garante que intensificou os treinos por conta da competição. “Eles (meus pais) são quem mais me incentivam. Dizem para eu seguir meu sonho, que é de jogar bem”, revela. Embora esteja se preparando, Anderson pode ter que dar conta do papo de jogador de Claudio Barros, 10, do time Esperança I. “Minha equipe é unida, não tem briga, a gente ganha”, defende Claudio, também atacante, igualmente admirador de Neymar. Os dois dividem as mesmas dificuldades de uma infância em uma região pobre da cidade. APOIO “A gente dá todo apoio. Isso tira os meninos da rua e ajuda com que eles sonhem”, diz a mãe de Claudio, a doméstica Adná Souza, 39. “Quando a gente vai ver, esses meninos têm motivos é só para se unir e o esporte é uma forma que a gente vê de desviar o foco deles de coisas ruins”, opina Antônio Carlos Santos, o Cal, treinador do time Rô e Cia. Ele, que na adolescência jogava em um time do bairro de São Caetano e teve o sonho interrompido pelos pais não o apoiarem, conta que como treinador já chegou a “perder” meninos para a violência da localidade. No entanto, é dos meninos que “ganhou” para os clubes profissionais que se orgulha e o incentiva a fazer o trabalho voluntário. “Tem um menino mesmo que saiu daqui do Boiadeiro, Renan, tem 15 anos, que tem postura de jogador, tem facilidade no drible, faz gol a distância”, conta o orgulhoso Cal, que trabalha na administração de uma quadra de esporte do bairro.
TREINADORES Na região, tem se estabelecido uma cultura de treinadores, que voluntariamente juntam adolescentes e até os disputam. “Os meninos dizem: ‘ah, eu quero jogar com a tia’. Aí tem um ciúme do outro treinador. Tem até uma brincadeira quando algum dos treinadores pega um dos nossos meninos para treinar com eles. Mas tem a parceria”, brinca a técnica e preparadora Lourdes. Nem todos os times que treinam chegam a competir. Coordenador da ONG Cooperação para o Desenvolvimento e Morada Humana, Elismar Mendes, um dos organizadores do evento, conta que, por conta da demanda, o Mundialito se fortaleceu: “A gente aproveita o espírito da Copa para também fazer a inclusão dos meninos em um grande evento”, ilustra. LEGADO Com tantos prazos e compromissos para a Copa do Mundo descumpridos, talvez o Mundialito seja um legado indireto importante deixado pela evento da Fifa. “Esse é o primeiro campeonato, mas nossa ideia agora é tornar esse evento algo permanente do calendário da comunidade”, adianta Elismar. Os adultos veem com ressalvas a realização da Copa no Brasil, lembram de como a riqueza do evento contrasta com a situação em que vivem no Subúrbio, mas, junto com os pequenos, estão todos entusiasmados e preparados para gritar os gols do Brasil. Os meninos, que muitas vezes treinam com uniformes e calçados improvisados (ou sem calçado, como alguns preferem) têm motivos a mais: “A gente vai ver os caras que jogam bem. Tem David Luiz, Cristiano Ronaldo, Marcelo”. Hoje é o segundo e último dia da fase eliminatória do Mundialito. Os jogos retomam no próximo final de semana e a final acontece no próximo dia 14 de junho, quando a Copa já terá oficialmente começado e a paixão nacional terá unido todo o país, inclusive o Subúrbio Ferroviário de Salvador. Matéria original: Correio 24h Mundialito com crianças busca reaproximar áreas rivais no Subúrbio
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