Pesquisadora Mônica Farias observa resultado de restauração: 80% concluída (Foto: Arisson Marinho) |
Meses depois de iniciada a restauração, a obra de arte de José Joaquim da Rocha, um dos maiores mestres do Barroco brasileiro, foi descoberta. Aos poucos, foram aparecendo vasos de flores, guirlandas e toda a luminosidade da obra. Com aproximadamente 173 metros quadrados, a 19 m do chão, a pintura grandiosa foi desmontada, restaurada e sua descoberta estava guardada a sete chaves.
O CORREIO teve acesso com exclusividade ao trabalho dos restauradores, 80% concluído, e chegou a tocar a relíquia ao subir na estrutura montada para a restauração. “A gente está fazendo
História É um divisor de águas, o resgate de um raro exemplar da pintura barroca do século 18, um importante retorno à originalidade”, explica o restaurador Júlio Maia, que coordena os trabalhos. Além de tudo, constatou-se o uso de ouro na obra, o que agora torna a Igreja de São Domingos a única no Brasil com o metal precioso no forro da nave. “A referência no repertório luso-brasileiro é a Igreja de São Roque de Lisboa, em Portugal, que tem douramento no teto. Não tenho conhecimento de outra igreja no Brasil que use ouro no forro da nave”, conta a pesquisadora Mônica Farias, que faz doutorado sobre pinturas em perspectiva de José Joaquim.
Na verdade, no princípio, houve dúvida de que a pintura era mesmo do mestre. Havia referências de historiadores como Carlos Ott, que sugeria, mas não chegava a atestar a autoria. Pra piorar, a página do livro da Irmandade que confirmava o autor foi arrancada. A presença do ouro mostrou-se então um indício forte, junto com outros fatores, de que Rocha era o autor. “Isso porque, além de pintor, Rocha era dourador. Com certeza, levou isso para a pintura”, aponta a pesquisadora.
A outra referência comparativa para se certificar a autoria foi o forro da nave da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, considerada a maior obra de José Joaquim da Rocha. Ali há todas as características do autor, bem semelhantes ao que se revelou na igreja que fica no Terreiro de Jesus. “É uma descoberta espetacular”, comenta o superintendente do Iphan na Bahia, Carlos Amorim.
Agressão
‘A gente está fazendo história’, comemora restaurador Júlio Maia (Foto: Arisson Marinho) |
A imagem que nas últimas décadas era vista no forro do templo havia passado por, no mínimo, três repinturas, sem qualquer critério, no século 19, resultado de um agressivo processo neoclássico. “Equívocos”, dizem os pesquisadores. Acredita-se, porém, que outras reformas foram feitas no século 20, o que descaracterizou a obra original totalmente. “Além das camadas de tinta, a gente encontrou pó de serra, parafusos, coisas absurdas”, revela Maia.
A pintura atual era bidimensional, em tom único, com perspectivas ou volumes alterados, além de escurecida por fuligem e verniz. “As repinturas cobriram todos os elementos importantes da figura original. Toda a obra foi descaracterizada. Por isso não tivemos dúvidas de que o certo a fazer era descobri-la”, explica Mônica.
Mas há outra certeza: a de que a obra não foi feita apenas por Rocha. Pela enormidade da pintura, certamente os discípulos que trabalhavam em seu ateliê o ajudaram. “A concepção e as figuras centrais, as imagens de Nossa Senhora e dos santos na cena, essas sim são dele”, acredita Mônica.
Perdas Antes de retirar as camadas sobressalentes para se chegar à imagem original, utilizou-se tecnologia de ponta. Um minucioso trabalho de prospecção e o uso de luzes ultravioleta deram a certeza do que estava por baixo. Apesar de todo o cuidado, houve perdas significativas em algumas partes da obra.
Acima do coro, no canto esquerdo, não foi possível recuperar a pintura. A imagem de um anjo com o rosto torto vai continuar ali, destoando. “A obra estava, e ainda continuará, em algumas partes, descaracterizada pelo excesso de repinturas e restauros inadequados. Restaurar uma obra ilusionista não é fácil, pois é necessário conhecimento específico sobre geometria, óptica, matemática e perspectiva”, resume a pesquisadora. Reforma de R$ 7,5 milhões As obras de restauração e conservação da Igreja de São Domingos são as primeiras na Bahia realizadas pelo PAC Cidades Históricas. O investimento de R$ 7,5 milhões deve valorizar ainda mais o monumento, que hoje tem grande relevância para o patrimônio histórico e religioso da Bahia. A descoberta deve atrair muitos pesquisadores, turistas e curiosos em arte. “Acreditamos que vai ter um aumento no trânsito de pessoas interessadas em arte e cultura”, afirma o superintendente do Iphan na Bahia, Carlos Amorim. Mas o teto de José Joaquim da Rocha não foi o único achado das obras naquela igreja. Foram descobertas também pinturas nas paredes dos corredores laterais, nas paredes da nave, na parte alta próxima ao forro e nas paredes da capela-mor. Na sacristia foram descobertas pinturas que imitam mármore nas tábuas da cimalha do forro com frisos em prata (considerado muito raro) em todas as cercaduras das portas e das janelas e nas molduras das telas. As obras são de artistas diversos. A previsão é de que, apenas em Salvador, o PAC Cidades Históricas destine R$ 143 milhões, em 23 obras no total. Sete delas estão em andamento. A Igreja de São Domingos é uma das três intervenções importantes no Terreiro de Jesus. A Igreja de São Pedro dos Clérigos e a Catedral Basílica também têm estrutura e imagens reformadas.
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