A professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que foi acusada de transfobia e racismo por uma aluna reconheceu nesta quarta-feira (13) que errou, mas nega que tenha cometido os crimes.
As informações foram dadas em entrevista ao g1. Jan Alyne diz que se confundiu ao tratar a estudante, que é uma mulher trans, no masculino, porém ressalta que não teve a intenção de violentar a jovem.
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"Eu não a conhecia, nunca a tinha visto e não fiz a chamada no início da aula. Ela não foi identificada como mulher trans para mim. Eu confundi a minha interpretação, de fato. Eu poderia ter ela tanto como um homem gay, tanto como uma mulher trans. Eu errei", afirmou Jan Alyne.
A professora diz que ficou nervosa no momento da briga. "Quando ela começou a se sentir muito ofendida, porque eu a tratei primeiro no masculino, eu corrigi. Eu estava ficando nervosa e acho que eu falei outra vez, mas depois eu não voltei a falar. Ela começou a se exaltar muito, ficava falando coisas ali que não tinham conexão com a condução da aula, com o programa da disciplina".
Nesta quarta, a reportagem também teve acesso a um áudio que mostra a confusão entre as duas durante a aula, ocorrida na manhã da terça-feira (12), na Faculdade de Comunicação (Facom).
No registro, é possível ver que as mulheres começam a se desentender quando a professora pede para que Liz Reis encerre a fala dela em uma discussão acadêmica. A docente chega a questionar o nome da aluna e, em seguida, acaba se direcionando a ela como homem.
"Eu li o texto, meu bem. Eu acho que diminuir o aluno [sic] por não concordar com o que ela quer seguir falando é difícil", disse Liz no meio da discussão. Neste momento, a professora diz que a aluna estaria "chateado". Então, a estudante corrige e diz que o certo seria "chateada".
"A sua curadoria está tão distinta que você não consegue nem me enxergar como uma mulher, mas desculpa se o meu discurso acadêmico não é compatível com o seu, mesmo estando no mesmo parâmetro", rebateu Liz.
Após a situação, a estudante denunciou o caso para a Polícia Civil, que investiga os supostos crimes apontados por ela. A professora alega que também fará boletim de ocorrência. Os crimes, no entanto, são calúnia, difamação e danos.
Áudio
Ainda segundo o áudio, após a primeira discussão, Liz segue na sala calada. No entanto, em determinado momento, a briga é retomada e a estudante resgata o uso do adjetivo com o gênero errado.
"Eu sei, meu amor, mas eu estou participando da aula, e eu acho que a senhora não vai me impedir de estar criticamente contribuindo com a aula", diz a estudante, que continua falando.
"E se a senhora continuar fazendo isso comigo – por que eu aguentei a senhora ter feito aquela dinâmica irrisória, insuportável comigo, desde errar o meu pronome, até fazer a minha existência, como aluna aqui dentro dessa sala, não existir, eu vou abrir um processo contra a senhora. A senhora é professora mas eu sou aluna. E o meu direito como aluna eu estou exercendo, que é participar criticamente".
Jan Alyne então sai da sala e vai atrás de outro funcionário da instituição para retirar a aluna o ambiente. Ao g1, a professora disse que ficou intimidada com a reação dela.
"Ela se exaltou bastante, e eu tive que sair da sala, porque ela não estava deixando a gente continuar a aula. Eu desci para chamar um servidor, porque eu estava com um pouco de medo também. Eu pedi apoio a ele, porque eu queria convidá-la a sair da sala, já que eu não estava conseguindo dar minha aula. Aí ela começou a se exaltar mais ainda".
No momento em que a professora saiu da sala, é possível ouvir a voz de uma terceira aluna, que incita ainda mais Liz a brigar.. A estudante continua argumentando com os colegas de classe.
"Eu podia estar aqui louca, falando merda, comendo cocô, ruminando aqui, como ela faz. Ela tinha que dizer: 'vamos dialogar de onde é que vem, quais são essas referências'. E eu trouxe as malditas referências que esses brancos querem que eu traga".
Quando cessa o barulho na classe, alguém chama Jan Alyne de "vagabunda". No entanto, ainda não é possível confirmar quem falo. Esse áudio deve ser periciado em inquérito policial, que poderá concluir de quem é a voz.
Minutos depois, a professora retorna à sala e a discussão continua. "Que bom, professora, que voltou. Pensei que a senhora estava chateada", disse Liz.
Nesse momento, Jan Alyne apresenta o funcionário e pede para que Liz deixe a aula. Após discutir, a aluna então se levanta e diz que a existência dela foi negada, chama a professora de "barbaridade", volta a fazer analogias a fezes e deixa a sala.
Ao fundo também é possível ouvir Liz gritar que vai abrir um processo contra Jan Alyne e a chama de violenta. Jan Alyne pede para que a jovem fale baixo e ela rebate. Então, a professora anuncia que a aula acabou.
Ainda ao g1, Jan Alyne disse que, durante a discussão, Liz feriu diversas vezes a autonomia dela enquanto docente.
"Eu tenho um programa, eu tenho autonomia. Ela não pode ser a professora, e ela queria ser a professora ali. É chocante. Ela me desqualifica por não fazer slide, desqualifica o meu estilo de lecionar. Nunca aconteceu comigo, nunca fui linchada nesse nível, mas eu não posso me destituir da minha autonomia, porque eu tenho autonomia docente, ralei muito para fazer meu doutorado, fazer mestrado, passar em concurso".
Protesto
Pela manhã, um grupo do Facom, liderado por Liz, fez um protesto na instituição. A estudante trans, que é cantora lírica, chegou a cantar ópera durante a manifestação.
Em contrapartida, a professora cancelou as aulas de quinta-feira (14) e disse que vai usar o momento para se retratar com os alunos, principalmente com Liz por ter usado equivocadamente o pronome indevido. Jan Alyne disse ainda que "tudo será devidamente apurado".
Redação iBahia
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