Os portões fechados dispensam qualquer comunicado, mas o aviso está lá para quem quiser enxergar: “Sr. Usuário, estamos em manutenção para sua melhor segurança”. No entanto, não há sinal de que o Plano Inclinado Liberdade-Calçada (Pilc), parado há três meses, esteja passando por reparos. Ao lado do ascensor, um reciclador que se identifica como Jorge, 45 anos, amontoa fogão, cadeiras e lavadora, todos velhos. Mas, diante da paralisação do sistema, ele sentencia: “A maior sucata é ali”.
A suspensão do funcionamento transporta uma série de problemas para os moradores da Liberdade e da Calçada, que definem o Pilc como essencial para a região. Na carona do problema, sobram lixo, insegurança, mau cheiro e deterioração do equipamento, de onde até fios de cobre já foram roubados.“A gente fica à mercê desses ônibus amarelinhos que, além de poucos, não saem com regularidade. Se tiver congestionado, piorou. O plano inclinado, além da importância para quem mora, é ponto turístico, é uma das belezas da cidade”, diz o aposentado Ademir Ribeiro, 66, enquanto esperava o micro-ônibus que, na falta do ascensor, transporta os passageiros entre as cidades Alta e Baixa.Quem não tem paciência para esperar sobe ou desce os 300 degraus por dentro da estrutura do plano inclinado que, apesar de fechada para ‘manutenção’, é livremente acessada pelos moradores num vai e vem garantido pela abertura em uma das grades laterais.Ofegante, a doméstica Sueli Souza, 28, aproveitou uma das paradas para conversar com o CORREIO. “Nessa brincadeira, é a quarta parada. Não dá pra ficar esperando o ônibus, porque demora muito. Hoje, estou sozinha, mas só subo de barreira. Enquanto o plano não tiver funcionando, é melhor vir por aqui. Até 19h, a galera sobe junto”, contou.Segundo ela, outra alternativa é seguir pela Ladeira do Inferno, mas lá é “barril”. “Já fui assaltada e conheço muita gente que passou pelo mesmo problema. Fazer o quê, se a gente precisa subir e descer? É lamentável que tenha chegado a esse ponto”, desabafou.Para o pedreiro Sérgio Almeida, 28, quem mais sofre com a quebra do equipamento são os mais velhos. “As mães de família descem nesse lamaçal, nessa sujeira, nessa porcaria. Tem senhora que chega aqui chorando pedindo pra ir buscar as compras dela lá embaixo. Isso aqui é a Liberdade, um dos bairros mais populosos de Salvador”, criticou.Na área do plano inclinado, o autônomo Jailson Soares, 37, apontou uma série de deficiências. “A tubulação está estourada, os fios de cobre foram levados. Só não levaram as rodas dos bondes porque ainda não encontraram um jeito. Mas pode esperar”, previu.Moradia - Parada, uma das cabines virou moradia para um casal. Lençóis foram colocados para dar maior privacidade. “Morando é brincadeira. Lá virou até motel”, disse o pedreiro Sérgio.O motorista Cláudio de Almeida, 35, assegura que pelo menos 20 pessoas dormem na cabine por dia. Além disso, ele diz que esses ‘hóspedes’ são uma ameaça a quem passa pelo local. “É a casa deles e cada dia chega um morador novo. Eles estavam assaltando também a qualquer hora do dia e nós tivemos que intervir. Botamos pra correr”, contou.Uma ‘moradora’ que se identificou como Gleide disse que está no local há um mês. “Vim da Ilha de Itaparica. Posso falar tudo que você quiser saber, mas desde que pague alguma coisa. Matando a minha fome, eu falo até...”, condicionou. Não foi atendida.Transtorno - Enquanto isso, uma fila se formava no ponto de ônibus do amarelinho. O CORREIO embarcou no veículo e acompanhou as dificuldades da professora Iva da Silva Santos, 49, que precisa chegar à Calçada para tomar outra condução até a escola em que trabalha, em Periperi, Subúrbio Ferroviário.“Não tem ônibus direto da Liberdade para lá, então tenho que fazer essa ponte. Todo dia é um corre-corre pra pegar o amarelinho. Eu não desço a escada”, disse ela, já dentro do micro-ônibus, mas sem conseguir passar pela catraca.Do outro caminho alternativo, a Ladeira do Inferno, a professora quer distância. “Já subi por lá, mas tem um cidadão que fica com um balde e um facão na mão. Antes o povo subia engatinhando — por isso o nome —, mas agora o inferno é outro. Quem passar sozinha tem que deixar tudo no balde do bandido”, relatou.Com o plano inclinado funcionando, a história, lembrou ela, “é outra”. “Levo um pouco mais de um minuto no carrinho. De ônibus é, no mínimo, meia hora, mas já cheguei a ficar mais de uma hora no congestionamento”, disse.O motorista Carlos Alberto Estrela, 27, que conduz um dos amarelinhos, contou que vive momentos de tensão no veículo. “O pessoal reclama da demora, mas a questão é o engarrafamento. Muitos culpam o motorista quando não sai no horário”, salientou.Com o ônibus, a distância, de pouco mais de 300 metros entre a Liberdade e a Calçada pelo plano inclinado, agora equivale a 3,5 quilômetros na descida e 3,7 na subida.Em nota, a Transalvador, responsável pelo sistema, afirmou que, devido a atos de vandalismo, as operações do Plano Inclinado Liberdade-Calçada estão paralisadas temporariamente.O órgão afirma que já houve roubo de fiações e da chave dos conectores e que a casa de máquinas já foi depredada. O órgão informou que está abrindo um processo licitatório para que uma nova empresa possa fazer os devidos reparos. Não há previsão para que o plano volte a funcionar.Plano do Pilar liga região do Comércio com Santo AntônioEm apenas um minuto e meio, a vista panorâmica da Baía de Todos os Santos e do Comércio começa a ser descortinada para quem sobe pelo Plano Inclinado Pilar, na rua do Pilar, Comércio. O equipamento teve o funcionamento suspenso no dia 12 de setembro, devido a problemas técnicos nos bondinhos. Mas, segundo a Transalvador, voltou a funcionar no dia 3 deste mês, para a alegria do aposentado Severiano Santana, 70. O CORREIO pegou o bonde com ele até o Santo Antônio Além do Carmo, o outro extremo do plano inclinado. “Ainda bem que voltou a tempo da festa de Santa Luzia. Não perdi as comemorações”, festejou. Apesar da reabertura do equipamento, construído em 1897, o movimento ainda é considerado ‘fraco’ por funcionários. “Tá tudo em ordem, mas as pessoas ainda não estão usando como antes.Pelo menos, não tem como ficar estressada trabalhando aqui, com uma vista dessa”, disse uma ascensorista, que passa o dia subindo e descendo em um dos bondinhos, a 5 km/h. Ela, então, aciona a sirene: hora de mais uma viagem. Plano Inclinado Gonçalves está fechado há dois anosEm 2009, a tarifa dos planos inclinados passou a custar R$ 0,15. Mas no Plano Inclinado Gonçalves (Comércio-Pelourinho), um balde verde velho tomou o lugar do cobrador. Em um dos portões, comerciantes em protesto colocaram uma placa de ‘Aluga’. O equipamento está parado há quase dois anos. “É uma crítica, porque o equipamento está esquecido. Os turistas querem subir, mas não podem. Mesmo assim, ainda arriscam tirar fotos. É essa a imagem que sai da nossa capital”, disse o vendedor Sérgio Cardoso. Segundo ele, os carrinhos “sobem e descem” para manutenção, mas não podem receber passageiros. A justificativa é que há risco de desabamento de um prédio na parte superior da encosta. O prédio em questão é a antiga sede do 18º Batalhão da Polícia Militar, construída em 1911. Nesse trecho, no Pelourinho, o oculista Flávio Lopes, 67, relembra boas visões. “Era outra lindeza, outra alegria quando funcionava. A fila era gigante. Eu não dava conta do serviço. Hoje, parece um cemitério”, lamenta. Em nota, a Transalvador informou que “em breve a população voltará a utilizar (o Gonçalves)”. O órgão explicou que a paralisação do sistema ocorreu devido a diversas rachaduras no muro de sustentação do talude do prédio e que é preciso estabilizá-lo. Nesse contexto, a prefeitura decidiu pela interdição total dos serviços. O ascensor voltará a funcionar “tão logo a obra de contenção seja executada, quando for analisada a absoluta segurança do funcionamento do equipamento”, diz a nota. Matéria original Correio 24h Sem manutenção, ascensores da cidade param e população sofre
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