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Nossa Senhora Aparecida representa crime de estupro. O sorridente palhaço homenageia a máfia russa. Jesus Cristo significa roubo seguido de morte. Não, não estamos profanando as práticas religiosas nem a doçura dos símbolos infantis. Mas, no código do crime, tatuagens formam um código onde cada uma representa o crime cometido ou mesmo uma afinidade com uma corrente criminosa. Às vezes, o código não vem em desenhos, mas através de palavras cravadas na pele que dispensam as analogias simbólicas. “Para todos meus inimigos carrego o sorriso da morte. Vida Loka”. Essa foi a mensagem que Daniel Lopes das Neves, o Daniel Satã, que era líder do tráfico em Arenoso, carregava em seu corpo até ser morto pela polícia durante operação na semana passada. A referência da frase vem do filme Batman. O “sorriso da morte” é relacionado ao gás hilariante que o vilão Coringa jogava em seus adversários, que acabavam morrendo de tanto rir. Daniel, segundo a polícia, matou mais de 20 pessoas, mas sem gás. Foram todos com tiros. A realidade das tatuagens dos criminosos é internacional, mas na Bahia tem algumas especificidades. Há três anos, um tenente da Polícia Militar realiza uma documentação de suspeitos de crimes que possuem tatuagens. O estudo, que já entrevistou 15 mil detidos, faz parte do trabalho de conclusão do curso de especialização em Prevenção da Violência, Promoção da Segurança e Cidadania pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). O professor, que prefere não ter o nome publicado antes do final da pesquisa, para não atrapalhar o projeto, conta que a tatuagem de uma índia e a de um peixe carpa têm significados específicos em terras baianas. “A tatuagem do peixe carpa, que simboliza assaltantes, é uma imagem que aparece quase que exclusivamente nos suspeitos da Bahia. A tatuagem da índia, que no Rio de Janeiro, na década de 80, servia para identificar os traficantes que tinham autorização para transportar fuzis, hoje, na Bahia, representa praticantes de crime de assalto”, explica.
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A índia significa matador de policial ou assaltante; a carpa indica assalto, enquanto o desenho de diabo indica um matador |
PesquisaO tenente, que também é professor, identificou que apenas 60% dos presos entrevistados admitiram reconhecer o código. “Principalmente na frente de comparsas eles fingem que não sabem. Dizem que são homenagens às famílias. É um código mudo. Se eles falarem, quebrarem o código, põem em risco toda uma dinâmica”. Na cultura criminal da Bahia, há ainda outro significado para a tatuagem de índia. “O grupo de traficante Cláudio Campanha na década de 90 começou a ser identificado com essa tatuagem. Por um tempo também diziam que quem tinha essa tatuagem odiava polícia ou tinha vontade de matar policiais”, explica Paulo Portela, coordenador do serviço de investigação da 6ª Delegacia, em Brotas. Portela, que tem mais de duas décadas na polícia, diz que cada vez mais os criminosos usam tatuagens para criar identificação com o grupo. “Virou moda. Agora quase todos têm tatuagens marcadas no corpo”, diz. O professor Cezinando Vieira Paredes, no seu trabalho de conclusão do curso de especialista em Tratamento Penal e Gestão Prisional pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 2003, explica que a necessidade de marcar o corpo não é nova. “Na Antiga Grécia, a tatuagem já era utilizada, assim como nas diversas populações bárbaras, sobretudo para distinguir as chefias. Na verdade, sempre tiveram algum significado para os diversos povos que habitavam o planeta”. Ele explica que as tatuagens dos criminosos começaram nas cadeias. “Vem dos longos ócios, do tédio das prisões sem trabalho. Em sua maioria, eles se entretêm estampando uns aos outros”, destacou.
IDENTIFICAÇÃO O coronel Antônio Jorge Ferreira Melo, que é professor e pesquisador do Programa de Gestão e Estudo de Segurança Pública, explica que as tatuagens já são globalizadas.
“Há sempre um dado cultural local entre as tatuagens dos bandidos, mas como agora há um intercâmbio entre os criminosos, elas estão globalizadas. Há uma disseminação dessas inscrições”, argumenta o coronel. Melo, entretanto, ressalva que a existência da tatuagem não é condição para ser bandido. “Evidente que devem ter pessoas que usam a tatuagem sem saber os possíveis significados dela em cada segmento da sociedade”, pondera o especialista.
ARTESANAL Nem sempre as tatuagens dos criminosos são feitas em estúdios profissionais. Segundo Paredes, em presídios do mundo inteiro, os próprios detentos se tatuam para diferenciar a facção à qual pertencem. “Antigamente, era a própria polícia que os tatuava. Na Inglaterra, cravavam-se as iniciais BC – Bad Character, que significa mau caráter em inglês - na pele dos condenados”, explica. M.S., que por 13 anos tatuou presas no Conjunto Penal Feminino em Salvador, hoje está em liberdade condicional e se esforça - em vão, afinal tem 12 tatuagens espalhadas pelo corpo - para esconder as marcas da cadeia. “Eu riscava as outras presas com agulha e tinta de pintar parede. Já cheguei a usar pregos, arame e até ponta de caneta”, revela. “Hoje, uso um monte de roupa para esconder isso de mim”, conta a ex-presidiária.
Tatuador trapalhão errou nome de filho de traficanteNem só de referências aos crimes cometidos vivem os bandidos que se tatuam. Em junho de 2010, quando foi preso na Micareta de Feira de Santana, a 108 quilômetros de Salvador, Averaldo Ferreira da Silva Filho, o Averaldinho, então líder do tráfico do Calabar, revelou ao CORREIO uma estranha história de sua tatuagem no braço direito. A paixão dele pelo filho está marcada por uma equivocada tatuagem. “Meu filho é Cauê, mas o cara que fez a tatuagem escreveu Cauâ”, lembrou. Na ocasião, ao ser questionado o que aconteceu com o tatuador atrapalhado, ele respondeu com um sorriso. “Um dia ele vai pagar por isso”. Averaldinho começou no crime aos 16 anos, e foi preso aos 21, acusado de vários homicídios e já condenado a 9 anos de cadeia por tráfico de drogas. Ele atuava no Calabar e na Vasco da Gama.