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Amarílio Sales segura um lampião entre Daniel Becker e Nayara Homem em cena de Diário do Farol: Onde as Palavras Se Revelam Inadequadas, sobre passado sombrio de um padre |
Um farol ilumina o horizonte, clareia o caminho seguido pelos navegantes. Mas também mata a mariposa que chega perto demais de sua luz sedutora. A dicotomia da metáfora pode explicar o mote da peça Diário do Farol: Onde as Palavras Se Revelam Inadequadas, com direção de Fernanda Paquelet, 36 anos. Baseada no livro Diário do Farol, de João Ubaldo Ribeiro, 70, a montagem estreia amanhã, no Espaço Cultural Barroquinha, Centro, dentro da programação do Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia (Filte Bahia 2011) e segue em cartaz até 16 de outubro, de sexta a domingo. A adaptação do texto original foi feita pelo ator Amarílio Sales, 54. Ele vive o personagem principal – cujo nome não é revelado –, um faroleiro de 60 anos que mora em uma pequena ilha, isolado. Preso em seus pensamentos, começa a relembrar o passado, inclusive as facetas mais sórdidas. Ele começa pela infância, contando sobre as surras que levava do pai, interpretado por Daniel Becker, 47. Relata ainda as vozes que ouve após a morte da mãe, papel de ayara Homem, 27. Da fazenda onde nasceu, o rapaz é enviado para um seminário, onde encontra um ambiente impregnado de corrupção. Já padre, começa a manter relações sexuais com as noivas da cidade, mas é rejeitado pela comunista Maria Helena, representada por Tatiane Carcanholo, 31.O desejo de vingança o move a entrar no Exército, na época da Ditadura. É nos quartéis que o padre descobre o prazer da tortura física.
JOGO DE LUZ Para adaptar o texto para o palco, Amarílio buscou manter a ordem cronológica e os diálogos. “O livro tinha tudo para virar um monólogo, mas quis preservar as relações físicas, dividir a cena oferece possibilidades de trocas com personagens tão fortes”, afirma o ator. Para ele, o bem e o mal habitam no ser humano. “E, quando se entra em contato com o próprio monstro que existe em cada um, é possível fazer escolhas mais conscientes”, acredita. “É preciso jogar luz na maldade que existe na condição humana”, completa Fernanda. A iluminação, não a simbólica, e sim a física, foi concebida pela diretora e desempenha um papel importante na narrativa. Quando o personagem principal revive o passado, a atmosfera ganha coloração amarelada, que remete à luz de velas. Nos devaneios, quando dialoga com a mãe morta, os contornos ganham tonalidades frias, puxando para o azul.
PALMADINHAExplorar as nuances do universo da maldade humana é um desafio para a equipe da montagem. Para Fernanda, é importante mostrar que as pessoas más existem na sociedade, e não simplesmente isolar tais figuras em presídios e manicômios, afastando-as do olhar. Para o ator Daniel Becker, a peça fala sobre as forças que são exercidas no ser humano. Como a figura paterna. “Acho que a peça fala do respeito e da violência doméstica, entre outros pontos. Até onde vai a palmadinha educativa, por exemplo?”, questiona. Fernanda destaca que, muitas vezes, a maldade não tem relação com sofrimentos da infância. “Há pessoas que sofrem e dão a volta por cima, por exemplo”, acredita. Na opinião da diretora, a violência, quando não é fruto de uma patologia, pode ser domada. “Bons exemplos podem ser uma saída”, diz. Mas não há fórmulas, acrescenta.
ORIGEM DO MALAmarílio teve a ideia de montar Diário do Farol: Onde as Palavras Se Revelam Inadequadas em 2007, cinco anos depois da publicação do livro. O mote surgiu após questionamentos sobre a violência em Salvador e como esses atos são criados e reproduzidos na sociedade. No começo do ano, a equipe da peça começou a fazer leituras dramáticas para dar uma forma final ao projeto. No início, eram previstas algumas poucas sessões. Acabaram virando onze. Os encontros aconteciam com psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. O objetivo era entender um pouco mais a mente humana. As leituras dramáticas foram enriquecedor as para a consolidação do tom do espetáculo. “Só vou trabalhar assim a partir de agora”, afirma a diretora. O adaptador também aplaude a experiência. “Queríamos saber o que ele (o personagem) era. Um psicopata? Um cara do mal?”, diz. Todo o processo de composição da peça foi documentado e está na mostra O Farol de Cada Um, também no Espaço Cultural Barroquinha. Depois de Salvador,está prevista uma temporada no Teatro Itália, em São Paulo, no primeiro semestre de 2012.
AGENDE-SE Espetáculo Diário do Farol: Onde as Palavras se Revelam Inadequadas Direção: Fernanda Paquelet Local: Espaço Cultural Barroquinha, na Praça Castro Alves, Centro Data: de amanhã até dia 16 de outubro (de sexta a domingo, às 20h) Ingresso R$ 20/R$ 10 |
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