O escritor baiano Antônio Torres, 75 anos, é o homenageado da quinta edição da Festa Literária Internacional de Cachoeira - Flica, que começa hoje e vai até domingo, na cidade do Recôncavo. Ele fará a conferência de abertura, Gentes Brasileiras, às 19h, ao lado do escritor Igor Gielow e com mediação do secretário da Cultura, Jorge Portugal.Com debate, música e livros, Flica começa nesta quarta-feira Aqui, tudo sobre a Flica 2015, que acontece em CachoeiraEleito para a Academia Brasileira de Letras em 2013, Torres ocupa a cadeira 23, que pertenceu a ilustres como Machado de Assis e Jorge Amado (1912-2001). Nascido em Junco (atual Sátiro Dias, a 205 km de Salvador), ele começou a escrever em diários como Jornal da Bahia e Última Hora, migrou para a publicidade e depois passou para a literatura.
Seu primeiro romance, Um Cão Uivando Para a Lua, foi escrito quando tinha 32 anos. Foi o seu terceiro livro, Essa Terra, de 1976, que o consagrou nacionalmente e, mais tarde, o lançou para o mundo, tendo sido publicado em países como França, Bulgária e Paquistão. A narrativa, baseada nas lembranças do autor, abordava o êxodo rural dos nordestinos. Desde sua estreia, foram mais de 15 livros, entre romances, coletâneas de crônicas e infantis.
Mesas reúnem autores do Brasil e do exteriorA Flica 2015 vai mesclar a participação de autores baianos com representantes de outros estados. Entre os representantes locais estão o pesquisador Luiz Claudio Dias Nascimento e o escritor Carlos Ribeiro. O primeiro, que tem como temas de suas pesquisas a escravidão e o candomblé, participará amanhã, às 10h, da mesa Etnias, Resistências e Mitos, junto com o também historiador Tâmis Parron. Já o ficcionista Carlos Ribeiro estará no debate sobre o centenário do escritor Adonias Filho (1915- 1990), nascido em Ilhéus. Ao lado de Ribeiro, na sexta-feira, às 15h, estará a escritora Silmara Oliveira, também baiana. Entre os autores de destaque da literatura nacional está o carioca João Paulo Cuenca, autor de livros como O Único Final Feliz Para uma História de Amor É um Acidente. Cuenca participa amanhã, às 15h, da mesa O Superficial da Profundidade, em que estará também o romancista brasiliense Lima Trindade. Uma das estrelas da literatura internacional que virá à Flica é a americana Meg Cabot, autora do juvenil O Diário da Princesa, lançado em 2000 e que se tranformou numa série de mais de dez volumes. A portuguesa Mariana Trigo Pereira, o nigeriano Helon Habila e a americana Sapphire são outros autores internacionais que virão à Flica. Além da programação dedicada aos adultos, há a Fliquinha, com atividades dedicadas às crianças, incluindo atrações musicais como o grupo Canela Fina e a trupe de palhaços Nariz de Cogumelo. Escritoras como Ana Raquel e Edsoleda Santos participarão de bate-papos com as crianças no Cine Teatro Cachoeira. Programe-se
Publicado em vários países e com mais de 15 livros no currículo, Antônio Torres tem sua trajetória celebrada na Festa Literária Internacional de Cachoeira, de hoje a domingo (Foto: Divulgação) |
Qual a importância de eventos literários como a Flica?Já fui a quase todos os eventos literários e já tive ótimas experiências como uma mesa com (o escritor moçambicano) Mia Couto, cujo tema era Terra Natal e Literatura. O primeiro megaevento de que me lembro é o de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, onde estive em 1991. Eram três mil pessoas num auditório e depois, quando voltei lá, em 2000, eram cinco mil! Durante todo o ano, a rede de ensino local inclui em seu programa os livros dos autores que vão participar daquele evento, então aquilo estimula a leitura daqueles escritores. Nesses eventos, o autor passa a ser seu próprio veículo. Nossa fala passa a ser nosso próprio veículo. E a Flica põe a Bahia nesse mapa de eventos literários nacionais. Vou aproveitar para conhecer Cachoeira, de que ouvia falar muito no sertão. Era um lugar meio mítico para nós, já que a gente quase não tinha água e a gente ouvia falar numa grande Cachoeira. Aquilo preenchia nosso imaginário e, para nós, era como o mar.
O senhor começou a vida profissional como jornalista e, mais tarde, foi redator publicitário. Qual a contribuição dessas atividades para a sua formação de escritor? Comecei a trabalhar no Jornal da Bahia, entre os 18 e 19 anos, fazendo o jornalismo barra- pesada, que foi uma grande escola. Mas, de fato, a maior escola no jornalismo é o esporro do chefe e, nesse caso, eram dois: João Carlos Teixeira Gomes e Ariovaldo Matos. Fiquei um ano no jornal e foi treino suficiente para ganhar o mundo. Depois, fui para o Última Hora, em São Paulo. Dois anos depois, fui para a publicidade, mas queria mesmno era chegar à literatura. O jornalismo me ensinou a ver o mundo, e a publicidade, a contar rapidinho. Meus romances são de alguma maneira sintéticos, mas isso não quer dizer escrever pouco. Eu economizo palavras, enxugo o texto, como os copidesques nos obrigavam. Mas o texto literário totalmente substantivo, objetivo, não se aguenta. Os adjetivos e os advérbios são muito bem-vindos na literatura, desde que você já domine bem o substantivo. Não fiz faculdade, mas não recomendo o que eu fiz a ninguém. Isso pra mim não é nenhuma glória, mas fui obrigado pelas circunstâncias. Não concluí nem o secundário porque em São Paulo cheguei e caí na redação. Além disso, tinha o ambiente boêmio, que me atraía. Mas, se por um lado, me afastei do estudo, por outro, sou de uma geração que lia muito.
Um de seus livros de maior repercussão é Essa Terra (1976), que acabou se tornando uma trilogia. Qual a importância dessa obra para a sua carreira?Essa Terra (1976) inaugura a volta às minhas vivências do interior. O livro tem 30 tiragens, um recorde entre os meus livros. E foi traduzido em todo o mundo, por isso acredito que tem universalidade nele. Agora mesmo, chegou ao Paquistão e ao Vietnã. E na Índia vai sair a trilogia completa. Tive a sorte de ter a carreira marcada por esse livro, que foi considerado a revelação do ano e frequentou listas de best sellers, com 30 mil exemplares iniciais que esgotaram logo.
O senhor tinha como meta chegar à Academia Brasileira de Letras? Como foi o seu percurso até assumir uma cadeira?Não era minha pretensão entrar para a Academia Brasileira de Letras até que (o escritor baiano) Aleilton Fonseca me disse que eu tinha que me candidatar ao lugar de Zélia Gattai quando ficasse vago. Aleilton acreditava que aquela cadeira tinha que ser de um baiano, porque já havia sido de Zélia, Jorge Amado e Otávio Magabeira. Mas eu relutei e ele respondeu dizendo que a minha candidatura era um pedido da turma baiana. Na época, disputei contra o Luiz Horta. Minha candidatura teve simpatias imediatas, mas muita gente dizia que ia votar nele porque já havia se comprometido. Mesmo imaginando que eu fosse perder, insistiam que eu fosse candidato para mostrar o meu desejo. Me candidatei de novo, então para uma outra cadeira, mas o Merval Pereira foi eleito. Por infelicidade, um tempo depois, o Horta morreu. Aí, me candidatei ao lugar dele e fui eleito. Essa cadeira que ocupo hoje, então, me devolve à Bahia.
O senhor foi o primeiro romancista “puro” eleito para a Academia Brasileira de Letras em uma década. Isso é sinal de que o romance é um gênero em baixa? Não só o romance, mas toda a literatura está realmente em baixa. Ela vem perdendo espaço para produtos de mercado, como a autoajuda e outras coisas de ocasião. Mas, por menor que seja o público da literatura, o curtidor de um bom texto é razão suficiente para nos dar razão de viver e continuar na literatura. Hoje, tem tanta gente escrevendo que nem dá tempo de acompanhar tudo, pois faço muitas palestras, há as reuniões da ABL e sou curador de uma biblioteca online, a Nuvem de Livros. Hoje, leio muito mais por dever. Hoje, o momento é muito agitado, muita gente escrevendo e isso é muito bom. É bom saber que os editores continuam apostando na literatura. Hoje, acho que há um bom espaço para a literatura nas editoras, mas falta na imprensa. Quando e por que o senhor decidiu dedicar-se exclusivamente à literatura?Em 1998, decidi me dedicar apenas à literatura, quando eu estava com 58 anos e deixei a publicidade, pois sabia que não era possível competir com um garoto de 18 ou 19 anos. Decidi então encarar aquilo que mais me deixa confortável, que é a literatura. Tive sorte de, ao perder o emprego, ser convidado pela Uerj para o Projeto Escritor Visitante, onde passei um ano realizando oficinas, aulas inaugurais e conferências. Aquilo me agradou muito e fiquei seis anos ali. Hoje, sou pós-graduado em oficina literária (risos).
João Paulo Cuenca representa a literatura atual brasileira (Foto: Divulgação) |
Há quem diga que hoje os jovens leem e escrevem mais que há alguns anos, principalmente por causa da internet. Qual a sua opinião sobre isso?Eu tenho dúvidas sobre essa tese. Quantitativamente, sem dúvida, hoje o jovem lê e escreve muito. Mas a minha pergunta é: esse mundo interneteiro, o mundo dos blogs, esse pessoal está mesmo interessado em ler ou somente em ser lido? Sou de uma geração em que o escritor procurava o outro porque já o tinha lido. Os jovens me procuravam porque já tinham lido algo meu e tinham uma identificação comigo. Mas hoje não sinto isso e tenho um certo pé atrás com tanta gente que me procura e me pergunto: ‘Será que sabem o que eu escrevo?’. Ou eles querem que eu seja uma sala de leitura deles? Não posso afirmar que é isso, mas tenho essa desconfiança. Acho que as pessoas que estão na internet não leem uns aos outros, mas gritam: ‘Me leia! Me leia’.
A americana Meg Cabot encerra a Flica |
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