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SALVADOR

Bairros de classe média ficam desertos a partir das 20h

Ruas e praças são encontradas vazias à noite pela cidade. Violência e medo são motivos da não ocupação do espaço urbano

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27/10/2013 às 15:40 • Atualizada em 26/08/2022 às 19:20 - há XX semanas
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São 20h de uma segunda-feira e os bares estão pegando fogo. É noite de partido-alto em um deles. Enquanto isso, a criançada bate um baba esperto no meio da rua e os jovens paqueram na praça até mais tarde. O movimento segue intenso até depois de meia-noite, já na terça. Obviamente, toda essa efervescência acontece bem longe dos locais que ilustram essa página. Neste horário, Barra, Graça, Campo Grande, Pituba, orla e qualquer outro bairro residencial de classe média estão vazios. Quase não se vê um pé de pessoa nas suas ruas mortas. Por isso, Carlos Dourado, 28 anos, funcionário de um supermercado na Graça, está doido para curtir seu partido-alto no Alto do Cabrito, no Subúrbio.
Farol da Barra às 21 horas: bem policiada, a Barra morre cedo mesmo em ruas onde tem bares
Apressado, tem medo do bairro em que trabalha. “Quando saio do trampo me deparo com as ruas vazias. É aí que o bandido gosta de agir. Uma hora dessas meu bairro tá cheio de gente”, garante Carlos. Sentado sozinho em um banco do Largo da Graça, ele espera o ônibus. O largo está vazio, assim como as ruas da Paz, Amélia Rodrigues e a principal, Euclides da Cunha. Difícil explicar o motivo exato de os bairros de classe média dormirem cada vez mais cedo. Cultura? Medo da violência? Falta de transporte, opções de lazer e serviços? Fato é que, depois que o sol se vai, a Salvador que poderia vibrar nos espaços públicos se torna uma cidade fantasma. Estamos na Barra, numa quarta-feira, poucos minutos antes das 21h. A Rua Afonso Celso, que durante o dia tem engarrafamento de carros - e de gente circulando entre eles - quase não tem alma viva à noite. Apesar das viaturas da polícia que fazem ronda, as poucas pessoas que passam estão apressadas, olhando para o chão, assustadas com o repórter de mais de 1,80m que vai em sua direção.
Graça às 20 horas: Largo da Graça e todo o resto do bairro ficam vazios no início da noite
Tirando a academia, que insiste em fechar 22h, os outros estabelecimentos, inclusive os bares, estão lacrados. Mas uma luzinha está acesa dentro da farmácia homeopática Soares da Cunha. “Não estou aberto, não, amigo. Fechei desde as 18h. Estou consertando o computador”, avisa Pedro Soares da Cunha, 52, dono da farmácia. “Chegava a ficar aberto até as 22h antes. Agora não dá mais”, explica. Resistência“Não vou me tornar refém em casa. Desço todos os dias esse horário e nunca mexeram comigo. Esse bairro é seguro”. A indignação é do professor de inglês Neal Manning, 49, herói da resistência no meio do deserto que é a Rua Milton Oliveira, transversal da Afonso Celso. São 22h e ele, que é britânico, está acompanhado de seu cãozinho Jasper. Moro aqui há cinco anos e antes a Barra era muito boa à noite. Por medo, as pessoas não circulam mais. É um ciclo: a classe média daqui lutou para tirar os eventos e o barulho dos bares. Aí não tem pessoas nas ruas. Se não tem pessoas, fica tudo tranquilo demais. Aí vem o medo”, analisa Neal, lembrando que apenas a partir de sexta-feira, na Rua Marques de Leão e Jardim Brasil, se vê movimento nos bares. “Mesmo assim fecham 22h, 23h”. Até mesmo bairros com grandes áreas de convivência estão dormindo cedo demais. Em dias de semana, a maior praça de todas, o Campo Grande, tem uma grande queda de movimento a partir das 20h. A não ser na sexta-feira, fica exatamente como na foto acima. Às 22h, apesar das centenas de lâmpadas que garantem boa iluminação, fecha os portões, assim como todo o comércio ao redor. Às 19h30, o casal de idosos Daniel Santana, 84, e Maria de Lourdes, 63, até queria ficar um pouco mais. “Infelizmente estamos indo embora. Uma vez puxaram minha corrente de noite aqui. Tá muito violento”, disse Lourdes. Mas, sempre há os que enfrentam. Às 21h, a bibliotecária Chaya Barreto, 56, passeava sozinha com dois poodles pela praça. "Conheço muita gente que não bota a cara fora de casa depois das 20h. Acho que, além de medo, faz parte da nossa cultura. Mas se todo mundo ficasse na rua não teria assalto. Bandido não age em lugar que tenha gente”, acredita. Na região do Campo Grande, há outros lugares residenciais sem movimento algum de noite, como o Canela e a Vitória. Na Pituba, a realidade é pior. Já às 20h, na Rua Amazonas, uma das maiores do bairro, é difícil cruzar com um ser humano na calçada. É por isso que Tiago Santos, 19, funcionário de uma barraca de lanches na Praça Belo Horizonte, fecha o estabelecimento neste horário. Se tivesse cliente, ficava aberto até mais tarde. “O pessoal aqui é muito assustado. Vou te dizer: nunca vi assalto aqui”, garante Tiago.
Orla às 22 horas: de domingo a domingo, a orla de Salvador não tem alma viva à noite
Perigoso Mas, com exceção da Rua Minas Gerais nos finais de semana, o ambiente desértico no início da noite se repete em quase todas as ruas da Pituba. “Vamos simbora que aqui tá ficando perigoso”, avisava, às 20h30, a baiana que vende acarajé na Rua Território do Acre. Em uma quarta-feira, a principal avenida, a Manoel Dias da Silva, também não tinha gente, mesmo com as lanchonetes Subway e Sanduich Hall abertas - e as cadeiras vazias. A Praça Ana Lúcia Magalhães, no fim de linha, é o único local onde os bares têm movimento após as 22h. A orla é caso antigo. E o mais frustrante. A maior faixa litorânea entre as capitais do país é talvez o solo menos ocupado (e pior aproveitado) quando a noite cai. Na altura do Costa Azul, não havia sequer quem concedesse entrevista. Mesmo nas ruas residenciais, o silêncio toma conta do bairro logo que o sol se põe. “Às 19h, o bairro já está morrendo. Às 20h, já está enterrado”, diz um dos seguranças do Colégio Estadual Thales de Azevedo. Circulando pelo local, o que se vê é muita gente descendo dos carros e entrando rapidinho nos prédios. O próprio Parque Costa Azul não tem vida noturna. Moradores simplesmente não frequentam o espaço à noite. De vez em quando, o baba no campo persiste até umas 22h. Isabela Ferreira, 16 anos, aluna do Thales, fez amizade com o motorista do ônibus para que ele pare na porta da escola e ela não precise andar até a orla. “Minha mãe tem o celular do cobrador e me avisa quando o ônibus tá chegando”, conclui. Violência contribui para cultura da reclusãoQuem tenta se aventurar na vida noturna de Salvador pode se frustrar. A cidade não conta com serviços fora do horário comercial em relação a outras capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, e a população sai das ruas. Mas, há outros fatores que contribuem para a cultura da reclusão. É o que diz Milton Moura, sociólogo e pós- doutor em História pela Ufba. “A cidade está violenta. São muitos assaltos, alguns com lesões corporais. O clima de medo é reforçado por parte da mídia, que produz determinada versão da cidade violenta”, diz o professor. Fenômenos mais recentes também ajudam. “O mais relevante é, hoje, a cultura da internet. Muita gente no Facebook e outras redes sociais. Estas pessoas não conversam mais tanto na rua, não sabem o que é ir a um mercadinho perguntar a que horas chega a couve”, ilustra. Ou seja, a presença nas ruas já foi mais intensa. “Até 20 anos atrás se passeava pela rua à noite. Não era tanta gente assim que saía zanzando, mas sempre se via pessoas caminhando. Até os anos 80 se podia ir ao cinema a pé e voltar a pé”. Bons serviços influenciam vida noturnaPara quem depende dos coletivos, a falta de ônibus 24 horas é motivo para ficar em casa. “Quando vou à rua, à noite, volto antes das 22h, porque não tem buzu”, diz o estudante Daniel Pita, 27 anos. Para o professor da Faculdade de Arquitetura da Ufba Marcos Rodrigues, o problema da mobilidade noturna vem a reboque da falta de pessoas nas ruas. “O que determina o uso de espaços é o tipo de atividade. Se não há cursos noturnos e estabelecimentos que funcionem além do horário normal, não tem como ficar nas ruas”. Ele diz que muita gente aproveitaria mais os serviços oferecidos durante o dia se também fossem noturnos. A questão, para ele, é do uso do solo. “Não é a mobilidade a causadora”. *Colaborou Edvan Lessa, participante do Programa Correio de Futuro

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