Acessar o processo criativo do Balé Folclórico da Bahia (BFB) é sempre uma experiência que nos toca em lugares profundos da nossa alma, da nossa identidade e da nossa ancestralidade. Com a montagem do novo espetáculo “O Balé que você não vê”, não é diferente.
Os 17 dançarinos (selecionados em oficinas realizadas pela companhia em diversos bairros de comunidades de Salvador) retroalimentam esse corpo híbrido, multimídia e intergênero, que transita entre a dança moderna, o clássico, o popular e o contemporâneo, encarnando a pluralidade da dança afro e das matrizes da cultura afro-brasileira.
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Em tempos de intolerância, o novo espetáculo nos dá as boas-vindas fazendo um convite à harmonia, onde o sagrado e o simbólico do Alá de Oxalá, o manto da paz, se transmuta através da energia feminina, da fertilidade, da força, da sensualidade e da sensibilidade.
A música composta originalmente pelos músicos do grupo escorre como água doce em rio de maré que pede calma aos corpos em luta. O Balé abre os caminhos com “OKAN”, coreografia de Nildinha Fonseca, cujo título em yorubá significa “coração”. Nela, a artista traz como referência esse coração conciliador que media “as relações entre os Itãs e Yabás - Divindades da mitologia africana - numa reflexão sobre o papel da mulher negra como determinante na manutenção da condição humana”, como ela própria apresenta.
O grupo se recria dentro da sua própria essência e gramática de movimentos, formando intérpretes de histórias, conceitos, formas, energias e estilos diversos. E o desafio é equacionar e dar unidade a esse coletivo, que agrega em si origens distintas, transbordando expressões muito vivas do seu lugar, de sua geração e de sua personalidade. Sendo assim, nenhum desses corpos fica isento das manifestações culturais que os cercam. E assim uma das dimensões marcantes do espetáculo é a perspectiva de criação coreográfica a partir de princípios e golpes de capoeira, onde corpos duelam em dança, inseridos nos fundamentos dessa arte e luta, jogando com o equilíbrio, a sustentação, a ginga e a malemolência.
E há ainda espaço de diálogo e criação a partir de gêneros como o pagode, a dança de rua, as danças populares, numa conexão com o jazz, o ballet, o breaking, entre outras modalidades de dança. Embora haja uma autoria para cada obra do espetáculo, o que percebemos, por exemplo, na coreografia “2-3-8”, assinada por Slim Mello, é que não se trata de uma reprodução literal dessas vertentes da Dança, mas de como cada corpo entende essas pulsações e gera a tradução delas em movimentos. Mais na perspectiva de uma releitura.
Nesse caso, a trilha sonora chama a atenção pela fusão percussiva, pop e eletrônica criada por Renato Neto (edição) e Luis Paulo Serafim (mixagem e masterização). E a participação especial de Maria Bethânia recitando em off o poema “Mandato de Despejo aos Mandarins do Mundo”, de Álvaro de Campos, é um bálsamo para os ouvidos.
Nessas zonas entre fronteiras, o Balé Folclórico da Bahia também se renova ao criar uma interlocução entre o erudito e o popular, homenageando obras-primas como o “Bolero de Ravel” a partir da versão criada pelo dançarino e coreógrafo francês Maurice Béjart (1927-2007), intitulada “Bolero”, que no grupo tem autoria do coreógrafo Carlos Santos, porém agora é revisitada por Vavá Botelho (diretor do BFB) e Zebrinha (Diretor Artístico do BFB). “Bolero” renasce nesse momento em novos corpos, com o mesmo sincretismo calcado na matriz afro-brasileira.
A apoteose tão característica dos trabalhos da companhia se dá com “Afixirê”, que terá a participação especial da dançarina e coreógrafa Nildinha Fonseca, que é um verdadeiro desbunde em cena. “Afixirê”, que em yorubá significa “festa da felicidade”, é uma coreografia criada por Rosângela Silvestre, que se inspira na “influência que os povos africanos tiveram na formação cultural brasileira e na Bahia”, como descreve o programa. É a própria Bahia encarnada, de tudo que nos toca de mais profundo, se multiplicando nesse nascedouro de artistas ávidos por dança. É puro encantamento!
Espetáculo “O Balé Que Você Não Vê" - Balé Folclórico da Bahia
- Onde: Sala Principal do Teatro Castro Alves (TCA)
- Quando: 18 e 19 de novembro, às 21h, e dia 20 às 20h.
- Quanto: Fila de A a P - R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia) e Fila de Q a Z11 - R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia). Ingressos: através do site Sympla e na Bilheteria do TCA
- Classificação livre
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Arlon Souza
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